Por que não existem negras no cinema nacional

 

Um estudo  da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Uerj, constatou a invisibilidade da mulher negra no nosso cinema. Coordenada pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), a pesquisa “A Cara do Cinema Nacional” analisou 218 filmes com maior bilheteria realizados entre 2002 e 2012.

Os dados obtidos são eloquentes: embora representem a maior parcela da população feminina no país, atrizes negras são apenas 4,4% do elenco principal dos filmes e aparecem em menos de dois a cada 10 longas metragens.  Nenhum deles teve uma mulher negra como diretora ou roteirista.

A pesquisa vai ao encontro da tese de mestrado da pesquisadora Paula Diniz Lins pela Universidade de Brasília. Ela analisou 211 filmes nacionais produzidos entre 1995 e 2006 e constatou que entre os personagens 82,3% são brancos e 17,5% são negros, indígenas e mestiços.

Os editais lançados em 2012 pelo Ministério da Cultura para incentivar a cultura negra ajudariam a diminuir essa distorção, mas eles foram suspensos por uma determinação judicial que viu prática de racismo na ação afirmativa.   

Ao comentar os dados da primeira pesquisa, o cineasta e pesquisador Joel Zito Araújo responsabilizou o racismo existente na estrutura da sociedade brasileira. “O padrão estético das produções atuais ainda está calçado em ideias do período colonial, provocando distorções em todas as artes, inclusive no cinema.”

Araújo produziu em 2001 o documentário “A negação do Brasil”, em que aborda a participação dos negros nas telenovelas brasileiras.

Entre outras histórias, conta o drama de Isaura Bruno.  Protagonista de “O Direito de Nascer”, novela produzida em 1964 pela TV Tupi, foi a primeira atriz negra a ter um papel de destaque na TV brasileira.  Apesar do sucesso da novela e dos elogios à atuação da atriz, a carreira de Isaura não decolou. Ela atuou em apenas três novelas nos seis anos seguintes e morreu pobre e esquecida em 1977.

A atriz Zezé Motta conta, no documentário, que ao dizer para uma vizinha que estava estudando teatro, foi questionada se era preciso de curso para fazer papel de empregada. A pergunta, feita há mais de 40 anos, foi estapafúrdia mas adequada à sociedade racista da época.

O problema é que a julgar pelos resultados das pesquisas sobre o cinema nacional, outros negros aspirantes a atores ou atrizes correm risco de ouvir o mesmo tipo de pergunta ainda hoje, em 2014.

Marcos Sacramento

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

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