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Por que Videla merece meio século de prisão

Videla na época do poder

 

Videla na cadeia até o fim da vida.

Ele fez por merecer. Nos anos 1970, Videla comandou uma ditadura particularmente sangrenta na Argentina. Os militares argentinos faziam coisas que custa crer. Por exemplo, atiravam dos céus oponentes no mar depois de colocá-lo em helicópteros ou pequenos aviões. Mulheres grávidas que combatiam o regime eram mantidas em custódia até darem à luz. Depois, os bebês eram entregues a amigos da ditadura que quisessem adotar crianças e as mães mortas.

Nisso, os militares argentinos imitaram o ditador espanhol Franco. Durante sua ditadura, Franco fez isso costumeiramente.

Como jovem repórter da Isto é, em 1982, cobri a redemocratização da Argentina com o presidente civil Alfonsín, o primeiro civil eleito depois dos militares. Entrevistei em Buenos Aires – uma cidade pela qual me apaixonei instantaneamente – uma avó cujo neto tinha sido roubado pelos militares.

Ela me contou uma história que jamais esqueci. Ela descobriu onde o neto estava e onde estudava. Tudo que ela podia fazer era vê-lo, de longe, entrar e sair da escola. Era o que ela diariamente fazia.

Muitos filhos de desaparecidos acabaram, com o fim da ditadura, sendo devolvidos à sua família, depois de exames de DNA.

Mas existe um caso particularmente enigmático.

A magnata da imprensa Ernestina Noble, dona do grupo multimídia que publica o diário Clarín, tem um casal de filhos adotados. Ernestina, que herdou o Clarín com a morte do marido em 1968 e o vem tocando com sucesso, adotou um casal de crianças.

São filhos de desaparecidos?

Essa questão tem mesmerizado os argentinos. As boas relações de Ernestina com Videla – que levam muitos argentinos a detestar o Clarín – sugere que isso pode sim ser verdade. A adoção se deu na época em que a ditadura vinha roubando e distribuindo bebês.

Ernestina diz que não, e apresenta uma história clássica de adoção. Teria apanhado para criar bebês de mães que não tinham como ficar com eles por falta de recursos. Ernestina diz que está sendo vítima as administrações de Cristina Kirchner e antes de seu marido Nestor – com as quais suas relações, ao contrário dos dias de Videla, são tensas e precárias.

Os dois filhos adotivos dela dela já deixaram claro que estão muito felizes com a vida que têm. Fora a questão material – Ernestina é uma das pessoas mais ricas da Argentina –, eles dizem ser objeto de imenso amor.

Todas as ditaduras são ruins, mas algumas são piores que as outras. A de Videla é um desses casos.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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