Prisões do caso Marielle expõem a relação entre crime e política no RJ, diz pesquisador

Atualizado em 24 de março de 2024 às 12:39
Os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, presos como mandantes da morte de Marielle Franco. Fotomontagem

Por meio de uma thread no X, antigo Twitter, o advogado e pesquisador Thiago Süssekind fez diversas críticas sobre a relação entre o crime organizado e a política no Rio de Janeiro, tendo como pano de fundo a prisão dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão pelo envolvimento na morte da ex-vereadora Marielle Franco durante uma operação da Polícia Federal (PF):

A confirmação do envolvimento do clã Brazão no assassinato de Marielle Franco precisa acender um debate sobre a relação entre crime organizado e política no RJ. Esse texto vai ser longo, mas precisa ser mesmo. A classe política fluminense é conivente com organizações criminosas.

Todo mundo da política sabe que Domingos Brazão é envolvido com grupos milicianos. Todo mundo sempre soube. Mas o campeão de votos de Rio das Pedras, por anos reduto mais forte da milícia, integrou a cúpula do PMDB-RJ na sua época de ouro. Sempre fez dobradinha com Eduardo Cunha.

 

Na Alerj, Brazão era poderoso – ainda que tenha sido mencionado na CPI das Milícias de 2008 e que tenham cassado seu mandato por um tempinho em 2011. O motivo era usar a “ONG Centro de Ação Social Gente Solidária” para compra de votos. Mas ele ganharia os holofotes com uma briga.

(A compra de votos com “centros de assistência social” e ONGs é uma outra prática antiga do Rio com a qual a classe política dominante pouco se importa. Vejam só uma família com deputado estadual e vereadora que se aliou em 2022 a um candidato petista ligado a uma universidade).

Voltando: Domingos Brazão protagonizou uma briga histórica com Cidinha Campos em 2014. Ele, que almejava presidir a Alerj, ameaçou a deputada na discussão: “Mando matar vagabundo mesmo. Sempre mandei. Mas vagabundo. Vagabunda eu ainda não mandei matar”.

Cidinha Campos havia chamado Domingos Brazão de “matador”. É que, em 1987, ele atirou num homem pelas costas. Alegou “legítima defesa”. O caso nunca foi a júri, jamais foi esclarecido. Ele e os irmãos, dizem os autos, andavam armados e eram envolvidos com grileiros da Zona Oeste.

Na eleição ali de 2014, Domingos Brazão conquistou o seu quinto mandato de deputado estadual. Angariou 11.517 votos em uma zona eleitoral situada na Gardênia Azul, por exemplo, também um reduto “garantido” da milícia por muito tempo – até a guerra dos últimos anos, sendo preciso.

Já em 2015, apadrinhado por Jorge Picciani, então presidente da Casa, Domingos Brazão confirmou a sua força política com a eleição para o cargo-mamata mais desejado do Estado: a função de conselheiro do TCE, um cargo vitalício com remuneração alta, ainda mais se somada à propina.

Nada, nem a falta de ensino superior, impediu os deputados de certificarem que Brazão cumpria os pré-requisitos pro desejado cargo: reputação ilibada, conhecimentos jurídicos, contábeis e econômicos”. André Ceciliano (PT) foi além e assinou o parecer que atestava as qualidades.

Brazão foi eleito com 61 dos 66 votos de seus pares para o TCE. Isso inclui votos favoráveis, polêmicos ainda na época, vindos do PDT, do PT e do PCdoB. Apenas o PSOL, na época encabeçado por Marcelo Freixo, se opôs à indicação, recorrendo à Justiça pra tentar barrar a sua posse.

Dois anos depois, em 2017, Domingos Brazão seria preso pela Operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato do Rio de Janeiro. Segundo a colaboração premiada de um conselheiro, os integrantes do TCE – à exceção de uma alma honrada – recebiam 5% de toda obra pública no Rio.

Eventualmente solto e liberado a voltar ao cargo, mas com todo esse histórico – e, de novo, com a sua ligação com milicianos sendo tratada como um fato por qualquer um do meio político –, Domingos Brazão ainda assim manteve toda a sua influência nas questões políticas estaduais.

Essa influência, aliás, seguiu intacta mesmo com ele tendo sido denunciado pela PGR em 2019 no caso Marielle Franco. Domingos Brazão foi acusado, inicialmente, de obstruir as investigações ao plantar uma testemunha falsa para direcionar o trabalho policial. Depois, como mandante.

O irmão mais velho, Pedro Brazão, se elegeu à Alerj em 2018. Foi reeleito em 2022. Waldir Brazão, eleito vereador em 2020, era chefe de gabinete desse irmão, mas foi autorizado a usar o sobrenome. Já Chiquinho Brazão, outro irmão, antes vereador, virou deputado federal em 2019.

Mas sua força nos bastidores vai além: Em 2022, Domingos Brazão indicou um Secretário de Transportes do Cláudio Castro.

Em 2023, Chiquinho Brazão virou secretário de Assistência Social na Prefeitura de Paes; saiu após só 4 meses. 

Domingos Brazão também fez campanha para o atual presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, se eleger ao cargo. O presidente dessa Casa tão limpa e honesta discursou agradecendo ao padrinho no início de 2023. Ele também dominou os diretórios do União Brasil e, agora, do Republicanos

A indicação do seu irmão a secretário de Paes fez parte de um arranjo maior com o Republicanos-RJ, sigla da Igreja Universal e de Waguinho, prefeito de Belford Roxo prestigiado por Lula, outro com o apoio conhecido de milicianos. Maria Lúcia Brazão preside o diretório municipal.

Mas sabe o que é pior? Os nomes do clã Brazão são só alguns entre muitos políticos do Rio de Janeiro que TODO MUNDO – mesmo – do meio sabe que nutrem relações próximas com o crime organizado. O fenômeno é relativizado em nome da governabilidade e da necessidade de ser eleito.

E isso corrompe até políticos jovens que queriam mudar as coisas. Vi isso com os meus próprios olhos. A gente precisa fazer essa aliança pontual aqui, localizada, para se reeleger; precisa atender a essa demanda, ter boas relações, senão perde o cargo. “Afinal, foram eleitos!”

Às vezes, a coisa não é tão direta. Um candidato a deputado recebe o apoio de um vereador meio esquisito, e esse cara, na ponta, que é próximo dos criminosos. Quem sabe dá para adicionar até uma outra camada: o vereador é eleito pelos “líderes comunitários” de áreas dominadas.

Mas assistencialismo pra compra de votos e as alianças com políticos sabidamente envolvidos com “coisa errada” são constantes no Rio. E, assim, um ciclo horroroso das mesmas pessoas se perpetua. Uma realidade quando porções geográficas são dominadas por organizações criminosas.

Infelizmente, nós sabemos como isso vai terminar no Twitter. Com a polarização fazendo pessoas que confundem nomes de bairros e cidades no Rio de Janeiro discutindo se Brazão é “petista” ou “bolsonarista”. Pouco importa a verdade: um clã criminoso útil pra toda a classe política.

Domingos Brazão, fisiológico por natureza, circulava em vários círculos distintos. Entrevistado pelo Metrópoles em janeiro de 2024, ele, de direita, citou um almoço com André Ceciliano (PT) poucos meses antes. Chiquinho Brazão fez campanha para Bolsonaro; Waldir Brazão para Lula.

O que importa na realidade, para muitos políticos, se resume a poder e dinheiro, não a ideologia. Uma pena que o pragmatismo exagerado leve à normalização de figuras como os Brazão. Se ligação com o crime organizado importasse, Waguinho não seguiria com tanto prestígio, não é?

O pragmatismo que perpetua na política quem é próximo do crime organizado precisa acabar. Mas, para isso, dependemos de fiscalização e de cobrança. A imprensa precisa parar de ver apenas Brasília e voltar a olhar para o Rio de Janeiro. E você também precisa fazer o seu papel.

A política do Rio teve todas as oportunidades do mundo para cortar os laços com Domingos Brazão e seus irmãos. Assassino confesso, sua ligação com grupos milicianos era de conhecimento geral. Compra de votos e corrupção. Mas a aliança com o clã dava votos em bairros dominados.

Não dá para passar pano pra alianças pragmáticas que incluem organizações criminosas. Se a barreira da ética fosse maior, talvez não tivéssemos casos como Marielle ou Henry (leiam sobre o pai do Jairinho, o Coronel Jairo, e sobre suspeitas contra jornalistas na favela do Batan).

Também surpreende que todos conheçam as ligações de alguns políticos com criminosos, mas MP, polícias e jornais nada falem sobre esses indivíduos. Chegou a hora de investigar essas pessoas e dar nomes aos bois. Quem sabe a Marielle não nos inspira a fazer essa mudança pelo Rio.

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