Profissionais de saúde da França não vacinados serão suspensos

Atualizado em 15 de setembro de 2021 às 9:59
Protesto antivacina na França
Protesto antivacina na França. Foto: AFP

Publicado originalmente no RFI:

A obrigatoriedade da vacinação anticovid aos profissionais de saúde da França entra em vigor nesta quarta-feira (15), sob o risco de suspensão do exercício da atividade e de salários de quem não obedecer à decisão. A medida diz respeito a cerca de 2,7 milhões de pessoas, mas uma minoria mantém sua oposição e promete não ceder.

Laëtitia, de 48 anos, que trabalha no serviço de reeducação neurológica em um hospital da região parisiense, afirmou à RFI que continuará se recusando a se vacinar contra a Covid-19. Na terça-feira (14), ela participou de uma manifestação diante do Ministério da Saúde, em Paris.

“Se for preciso, vou achar outros empregos, trabalhar dia e noite, vender frutas e legumes, qualquer coisa. É preciso que eu continue a pagar meu aluguel por mim e por meu filho. Isso pode durar muito tempo, mas vou resistir. Não vou renunciar às minhas convicções e valores”, promete.

Como Laëtitia, milhares de profissionais de saúde saíram na terça-feira às ruas da França para protestar contra a imposição, anunciada no último 12 de julho pelo presidente Emmanuel Macron. Além de empregados de hospitais e de casas de repouso para idosos, cuidadores particulares, profissionais que trabalham em ambulâncias e bombeiros também devem ter recebido ao menos a primeira dose da vacina anticovid neste 15 de setembro para poderem continuar exercendo suas funções e recebendo seus salários. Em nenhum caso, eles serão demitidos.

Boa parte do movimento que está nas ruas protesta especialmente contra a obrigação, mas não se considera antivacina. É o caso da enfermeira Cornelia, de 47 anos, que recebeu a primeira dose recentemente, mas participou de um ato em solidariedade aos colegas que não querem se imunizar. “Não posso ficar sem meu salário”, justificou.

Outros consideram a imposição como uma falta de respeito do governo em relação a uma categoria que esteve na linha de frente da luta contra a Covid-19 desde o início de 2020. “Durante toda essa pandemia nos foi explicado que mesmo diante do risco de morte, deveríamos trabalhar. Mas hoje querem nos mandar embora? Isso é incompreensível!”, diz o enfermeiro Michel Soulié, de 51 anos.

Mas, entre os manifestantes, também há quem não confie nos imunizantes. “Essa vacina me preocupa muito, gostaria que respeitassem minha escolha”, diz a enfermeira Amel Benothman, de 41 anos. “Eu me recuso a brincar de roleta russa com a minha saúde e hoje é essa a minha prioridade, mesmo que eu ame o meu trabalho”, completa a psicóloga Nathalie Della Giustina.

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Falta de profissionais nos hospitais

Nas manifestações de terça-feira, sindicalistas alertaram que a entrada em vigor da obrigatoriedade da vacina pode resultar na falta de pessoal nos hospitais.

“Não podemos nos permitir dispensar os profissionais de saúde”, declarou Mireille Stivala, secretária-geral do escritório da Saúde da Confederação Geral do Trabalho (CGT). Segundo ela, a medida “vai gerar tensões e caos”, com a diminuição de leitos disponíveis, além do cancelamento de cirurgias, já que a capacidade de acolhimento de doentes nos estabelecimentos de saúde pode ser reduzida.

“Vai ser uma bagunça total”, prevê o secretário-geral da CGT, Philippe Martinez. Segundo ele, vários setores não poderão funcionar “mesmo com 5% a menos de trabalhadores”. Algumas centrais sindicais também fazem um apelo para que o governo adie os prazos da obrigatoriedade da vacinação para que os estabelecimentos possam se organizar melhor.

O cenário caótico previsto por alguns é descartado pelo professor François-René Pruvot, diretor da Conferência dos Presidentes das Comissões Médicas dos Centros Hospitalares Universitários da França. “Os hospitais vão aguentar”, garante. Em entrevista à Franceinfo, ele lembra que mais de 90% dos profissionais de saúde receberam ao menos uma primeira dose da vacina anticovid e que os resistentes são uma minoria.

“Claro, tudo isso está nos dando um trabalho extra, que não precisaríamos realizar normalmente. Precisamos reorganizar os quadros de empregados. Mas os diretores e coordenadores de hospitais estão realizando entrevistas com os funcionários para tentar convencer aqueles que estão reticentes em relação à vacinação”, explica.

Persuasão dos resistentes

Outras lideranças do setor da saúde na França também vêm se manifestando publicamente, de maneira a tentar persuadir os resistentes. “Devemos, juntos, fazer deste 15 de setembro não uma medida imposta, mas uma data que marca uma etapa suplementar no nosso engajamento coletivo contra a Covid”, tuitou Martin Hirsch, diretor-geral do Sistema de Hospitais Públicos da região parisiense.

Muitos profissionais também fazem esse trabalho por conta própria, junto aos colegas que ainda não se vacinaram. É o caso de Gerard Cotellon, diretor do Hospital Universitário de Pointe-à-Pitre, capital da Guadalupe, território ultramarino francês na América Central.

“O que é preciso compreender – e é isso o que mais me dói – é que a vacinação obrigatória não é uma medida abusiva. Nós, que trabalhamos na área da saúde, temos uma responsabilidade maior que outros setores. Um paciente que vem se tratar no hospital não merece pegar Covid de um profissional de saúde que não quis se vacinar”, defende, em entrevista à RFI.

A situação nos territórios ultramarinos – como as ilhas da Guadalupe e da Martinica – é especialmente preocupante. Se na França metropolitana a quantidade de profissionais de saúde não vacinados é uma minoria, o cenário não é o mesmo nessas localidades, que enfrentam há várias semanas picos de mortes, contaminações e superlotação dos hospitais.

“Temos muitos resistentes à imunização aqui na Guadalupe e o Hospital Universitário de Pointe-à-Pitre segue essa mesma tendência. Entre todos os nossos colegas, cerca de 20%, 25%, no máximo têm hoje o esquema vacinal completo. Essa taxa aumenta entre os médicos: cerca de 80% estão vacinados aqui”, indica Cotellon.

Prazo para a segunda dose da vacina: 15 de outubro

O governo segue firme na determinação e confirma que o prazo para os profissionais de saúde receberem a segunda dose da vacina anticovid é 15 de outubro. “Não vamos voltar atrás”, martela o primeiro-ministro francês, Jean Castex.

O ministro da Saúde francês, Olivier Verán, também endureceu o tom com aqueles que pretendem recorrer a um atestado médico para tentar escapar das sanções. Segundo ele, “controles sistemáticos” serão realizados para verificar se quem deixou de trabalhar dentro do período em que a obrigação entrou em vigor tem uma justificativa válida.

Já o presidente da Ordem dos Médicos da França, Patrick Bouet, também anunciou que vai considerar a recusa de vacinação como “uma falha deontológica”, passível de “punições disciplinares”.

As Agências Regionais de Saúde (ARS) da França indicam que manterão “uma posição mais dura possível” sobre o cumprimento da exigência. “Esperamos que aqueles que ainda estão hesitando em se vacinar sejam convencidos pela nossa firmeza”, afirmou a presidente da ARS da região parisiense, Amélie Verdier. Ela também promete apoio às instituições que possam enfrentar possíveis dificuldades em caso de falta de profissionais.

Vacinação geral na França

Apesar da persistência do movimento contra o passaporte sanitário na França – que vem se manifestando há várias semanas – quase 50 milhões de pessoas receberam ao menos uma dose da vacina anticovid (73,8% da população total). Os completamente imunizados contabilizam atualmente quase 47 milhões (69,6% da população total).

A quantidade de pessoas doentes continua a diminuir, chegando no nível mais baixo de internações (9.739) desde o último 15 de agosto. O mesmo fenômeno é observado nas UTIs do país, que contam atualmente com dois mil doentes, contra 2.259 na última terça-feira (7).

Nas últimas 24 horas, 96 pessoas morreram de Covid-19 na França e 10.327 novos casos foram registrados. Desde o início da pandemia, o país contabiliza 115.752 óbitos.