Programa de trainee do Itaú revela que o racismo começa na seleção. Por Donato

Atualizado em 1 de fevereiro de 2020 às 10:27

No final do ano passado, o programa de trainee do banco Itaú aprovou, em seu processo seletivo, 125 candidatos.

Quase todos brancos.

Criticado e denunciado pelo fato pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, o banco emitiu a seguinte nota:

“Reconhecemos que o resultado do processo de seleção de trainees deste ano, mesmo com as mudanças que fizemos para torná-lo mais inclusivo, não reflete a diversidade que todos nós gostaríamos de ver. A experiência deste ano servirá de aprendizado para fazermos correções para os próximos processos.”

Será que aprendeu?

O caso ocorrido com Lorenna Vieira nesta quinta-feira responde. Ao tentar sacar R$ 1.500, a empresária do ramo de cosméticos foi levada para a delegacia. Lorenna é negra.

A cliente afirma que os funcionários ficaram enrolando-a até que a agência fechasse e a polícia, que foi chamada na surdina, chegasse.

O programa de trainee treinou seus brancos direitinho.

Como o procedimento padrão do banco é soltar notas lamuriosas depois de cada patifaria, ontem não foi diferente e a instituição declarou que “lamenta profundamente os transtornos causados a Lorenna Vieira”, que “a verificação de documentos é obrigatória nos casos em que o cliente não tenha em mãos o cartão do banco ou não faça uso de biometria para realizar saques”, que “o objetivo do procedimento é garantir a segurança dos próprios clientes”.

Não satisfeitos com o blablablá, os redatores da nota encerram:

“Infelizmente, pessoas mal intencionadas tentam aplicar diariamente golpes usando documentos falsos em agências do banco. Em razão desse procedimento, o Itaú Unibanco conseguiu evitar inúmeras fraudes dessa natureza contra seus clientes.”

Pergunte a um negro quem é considerado “mal intencionado” numa porta giratória de entrada de banco.

Pergunte a um branco se ele passa pelo “procedimento padrão” com frequência ou mesmo se alguma vez na vida já passou por tal constrangimento.

De que adianta a publicidade dessas instituições ser esteticamente inclusiva, plural, politicamente correta, ilustrada por imagens de casais negros, gays e tanta modernidade, se tudo não passa de estratégia de marketing, de mero posicionamento de marca?

“Nos bastidores, o banco faz palestras valorizando a diversidade, e no discurso tudo é lindo, mas o que se vê na prática é, silenciosamente, o Itaú selecionando quem eles querem que representem a imagem do banco, excluindo pretos e pardos”, afirmou Júlio Cesar Silva Santos, do Sindicato dos Bancários de São Paulo na ocasião do escândalo dos trainees, ocorrido em pleno mês da Consciência Negra.

Lorenna Vieira já declarou que irá processar o Itaú e todos envolvidos no caso. Está 200% certa em fazê-lo, mas deve se preparar para o jogo sujo que virá pela frente. São instituições gigantes e bilionárias.

Grandes anunciantes exercem forte influência na pauta jornalística de TVs e ontem a primeira demonstração já veio. O documento de identidade de Lorenna, de uma hora para outra passou a ser considerado falso, depois de ter sido dado como verdadeiro pela Polícia Civil. Uma campanha para difamá-la está a caminho.

E depois? Bem, depois o banco vai pedindo desculpas, de nota oficial em nota oficial, e mantendo o “padrão”.