Putin apoiou grupos e sites de extrema direita, diz historiador

Envenenar as redes sociais  passou a ser parte da política externa do presidente da Rússia, Vladimir Putin, diz especialista

Atualizado em 1 de março de 2022 às 12:57
Vladimir Putin
Vladimir Putin. Foto: Wikimedia Commons

Timothy Snyder analisa a guerra digital travada pela Rússia no livro ‘Na Contramão da Liberdade’. Dias antes de a Rússia invadir a Ucrânia, em março de 2014, a internet estava repleta de histórias que descreviam atrocidades cometidas por ucranianos na Crimeia, território que estava em disputa pelos dois países.

No entanto, os relatos eram falsos e haviam sido propagados por trolls e robôs criados pela inteligência russa com objetivo de confundir a opinião pública ucraniana e internacional.

Envenenar as redes sociais – a guerra da informação – passou a ser parte da política externa do presidente da Rússia, Vladimir Putin, revela o historiador e professor de Yale Timothy Snyder, especialista em temas como autoritarismo e Leste Europeu, em seu novo e minucioso livro publicado no Brasil: Na Contramão da Liberdade.

“Isso funcionou extremamente bem e sugere que esse pode ser o meio pelo qual guerras sejam travadas no futuro (…) É barato, fácil de fazer e difícil de rastrear”, afirma Snyder ao Aliás.

O historiador americano Timothy Snyder, autor de ‘Na Contramão da Liberdade’. (Foto: Companhia das Letras)

O novo livro do autor de Sobre a Tirania explica o papel e a influência da Rússia no mundo de hoje e o pensamento de Putin, mostrando por que o líder russo se aliou a políticos de extrema-direita na Europa e apoiou a candidatura de Donald Trump nos Estados Unidos. “O apoio a Trump fez parte de uma política maior (da Rússia) de apoiar candidatos que rompam com a democracia”, disse.

A entrevista é de Vítor Marques, publicada por O Estado de S.Paulo, 20-07-2019.

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Eis a entrevista

A desinformação está vencendo a batalha contra a verdade e os fatos, interferindo no resultado de eleições. Como consertamos esse problema?

A primeira coisa é que temos de tomar como padrões éticos que fatos são bons. E fatos têm um valor e têm um custo. Falando tecnicamente, desinformação é de graça e, por outro lado, fatos requerem trabalho, e trabalho tem custo, tempo e dinheiro.

Em segundo lugar, na prática, temos de alocar recursos para produzi-los, assim como temos recursos para outras coisas que reconhecemos que são boas, como água tratada ou energia acessível. Isso é crucial. Temos de ter padrões éticos e recursos por trás disso.

De outra forma, na maneira como a internet funciona, seremos simplesmente transformados em criaturas movidas por emoções, porque não têm acesso aos fatos.

O sr. acredita que a ascensão de governos autoritários está relacionada à crise econômica que vemos desde 2008?

Sim, de duas formas. Primeiro, em várias partes do mundo, a recuperação da crise de 2008 tem sido uma recuperação para os mais ricos e não para todos.

Nos Estados Unidos, a maioria da nova riqueza gerada está nas mãos de uma minoria. Se você olha o PIB, a economia doméstica parece que está se recuperando, mas, se você olha como as pessoas vivem, elas não tiveram melhoras nos últimos dez anos.

Em segundo lugar, há um problema mais profundo. Ninguém reagiu aos problemas de 2008 com novas ideias ou novos pensamentos. Ninguém disse: ‘Precisamos reparar o sistema’, ‘Temos de justificar a democracia de outra maneira para além do crescimento econômico’.

Para mim, o grande problema é ideológico: deveríamos ter argumentos para a democracia sobre pessoas e sobre como as pessoas podem mudar suas vidas para melhor, mais do que achar que a democracia, automaticamente, resulta em crescimento econômico, o que não acontece.

No livro, o sr. aborda as relações da Rússia e do presidente Vladimir Putin com a Ucrânia. Poderíamos classificar a invasão russa à Ucrânia em 2014 como um acontecimento que inaugura essa nova onda de autoritarismo no mundo?

Eu tenho dado muita atenção a Putin e à invasão russa à Ucrânia porque acho que ela revela uma série de problemas centrais. O número um são as oligarquias e a extrema desigualdade de renda. Putin é um oligarca.

E ele e as pessoas em seu entorno controlam a maior parte da riqueza da Rússia, o que significa que eles têm um problema. Eles têm de governar com autoritarismo, mas explicando aos russos que nenhum outro lugar do mundo é melhor, o que leva à criação de uma política externa que tenta mostrar que a democracia ao redor da Rússia e no Ocidente, em geral, não funciona tão bem.

Um segundo ponto que é típico da relação entre Rússia e Ucrânia é o modo como o autoritarismo é, agora, exportado. Vemos isso mais claramente na Rússia, mas podemos ver uma versão disso na China e algumas marcas na administração Trump.

O terceiro ponto é típico da Rússia. Foi inaugurado em 2014 e é o uso do ‘mundo digital’. Quando invadiu a Ucrânia em 2014 foi uma guerra convencional: eles usaram artilharia, aviões e enviaram tropas, mas, muito mais importante que isso, foi a guerra da informação, desenhada para confundir as pessoas sobre o que estava acontecendo, mudar as discussões e chegar a pessoas de outros países ocidentais para fazê-las pensar de maneira totalmente diferente. Isso funcionou extremamente bem e sugere que esse pode ser o meio pelo qual guerras sejam travadas no futuro.

Qual o impacto da guerra digital e da desinformação no século 21?

Graças à internet, nós sabemos mais sobre os outros do que estávamos acostumados. Mas muito do que sabemos tem relação com as emoções das pessoas, como elas se sentem.

Se você tem dinheiro, se você é um Estado ou uma grande empresa, você pode descobrir o que as pessoas acreditam, do que têm medo, e usar essa informação.

E isso é novo. Porque são atores políticos não convencionais em campanhas políticas. Então, lugares que eram pensados como “seguros” para a democracia, como Estados Unidos e Grã-Bretanha, podem ser alvo de campanhas organizadas que podem afetar o resultado de eleições.

Creio que isso continuará sendo um grande problema no século 21, porque é barato, fácil de fazer e difícil de rastrear. A principal maneira de nos defender é reconhecer que precisamos dos fatos, especialmente dos fatos locais, e do jornalismo local e nacional.

Como o sr. descreve no livro, Putin atua para desestabilizar democracias. Como ele se tornou um presidente tão poderoso na Rússia?

É uma ótima pergunta. Ele chegou ao poder porque o presidente anterior a ele, Boris Yeltsin, precisava de alguém que o protegesse. Ele se tornou um presidente popular depois de começar e vencer uma guerra na Chechênia, mas acho que o poder que ele tem hoje se dá porque ele foi capaz de fazer com que a oligarquia russa trabalhasse para ele.

Ele herdou uma Rússia com extrema desigualdade, e seu mérito político foi quebrar algumas oligarquias e trazer outras para seu sistema. Ele e pessoas próximas a ele são muito ricas.

Ele tomou canais privados de televisão e os fez trabalhar para o governo, esse é o outro segredo. Você tem cinco ou seis canais na Rússia que parecem independentes, mas são coordenados para mandar a mesma mensagem.

A Rússia é, basicamente, uma sociedade televisiva, então essa é uma outra razão para que ele tenha se tornado tão popular. Mas eu acho que, cedo ou tarde, ele terá sérios problemas. Ele não ficará para sempre.

Por que Putin tem apoiado políticos de extrema-direita na Europa, como na Áustria e na Alemanha? Podemos considerá-lo uma espécie de líder da extrema-direita?

Primeiro porque Putin não pode continuar reformas políticas significantes dentro da Federação Russa. Ele define a Rússia em torno de valores que incluem se opor aos homossexuais, à imigração, a pessoas que são diferentes.

Isso é muito atraente para nacionalistas brancos nos EUA, nacionalistas de extrema-direita na Europa e outras pessoas pelo mundo. Uma segunda coisa que está acontecendo é que o Estado russo, por várias razões, quer enfraquecer a União Europeia e os EUA.

Para isso, apoia a extrema-direita. Terceira coisa: a Federação Russa é pró-aquecimento global, e tenta confundir o debate. Isso também está acontecendo e pouca gente percebe.

Por que Putin decidiu apoiar a eleição de Donald Trump em 2016?

Sou um historiador, tenho que certeza de que em 50 anos saberemos coisas que não sabemos agora. Mas, na minha compreensão, o apoio a Trump fez parte de uma política maior de apoiar candidatos que rompam com a democracia.

Antes de apoiar Trump, a Rússia tinha invadido a Ucrânia, tinha apoiado partidos de extrema-direita na União Europeia, tinha apoiado o Brexit. Na minha visão, foi apenas mais um exemplo de uma política maior contra a democracia no Ocidente.

O senhor escreveu que Donald Trump é um populista sádico. O que isso significa?

Nós usamos muito a palavra populismo, mas ela contém a palavra “pessoas”, “popular”. No caso de Trump, acho que ele não está interessado em ajudar nenhum segmento da população americana. Sua política é trazer para as pessoas mais dor, desigualdade, mais suicídios e assim por diante.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro, como Trump e Putin, ataca instituições, como a imprensa. Como o sr. analisa o governo Bolsonaro?

O que eu vejo é um típico desejo das pessoas de encontrar soluções rápidas para problemas como a corrupção. Mas o problema da corrupção não é de uma só pessoa, é da lei.

Trump também fala de corrupção, mesmo sabendo que ele próprio é uma pessoa extremamente corrupta. Bolsonaro tem um comportamento típico de autoritário, de buscar inimigos internos, os negros, os homossexuais, de negar as mudanças climáticas, a aceleração do aquecimento global, uma política que se diz distante da corrupção, mas está próxima de pessoas corruptas. Tudo isso é muito típico.

Texto do Instituto Humanitas – Unisinos.

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