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Qual a situação da classe trabalhadora neste 1º de maio?

Apesar do recuo no emprego, CNI diz que houve aumento de 2% no rendimento médio real dos trabalhadores em março (Arquivo/Amanda Oliveira/GovBA)

Do Brasil de Fato:

Por Michelle de Melo

Primeiro de maio, Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora mais do que um feriado, carrega um histórico de luta por direitos. Ao invés de celebrar, neste 2021, a classe trabalhadora tem ainda mais motivos para reivindicar. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), durante o último ano de pandemia, houve uma redução de 8,8% nas horas trabalhadas, o que representa a perda de 255 milhões de empregos de tempo integral ao redor de mundo, quatro vezes mais do que em 2019.

Nos primeiros quatro meses do ano, a tendência se manteve, com a diminuição de 3% das horas trabalhadas em todo o planeta, equivalente a 90 milhões de empregos.

No Brasil a situação não é diferente, o país entra em 2021 com uma taxa de desemprego de 14,2%, quase 14 milhões de desocupados, de acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para aqueles que ainda possuem alguma renda, a informalidade foi a saída.

Cerca de 34 milhões de trabalhadores, quase 40% da população economicamente ativa do Brasil, está no setor informal. São as pessoas que fazem bico, diaristas, ambulantes, pessoas que trabalham como freelancer, entre outras.

“A gente chega nesse 1º de maio, a nível mundial, com uma situação de bastante debilidade da classe trabalhadora do ponto de vista estrutural. Algo que vem de um processo mais amplo de erosão do trabalho assalariado”, analisa o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Festi.

Na última terça-feira (27), o presidente Jair Bolsonaro editou uma nova Medida Provisória autorizando a suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses, o adiamento do pagamento do fundo de garantia (FGTS) e a diminuição dos salários em até 70%. Em 2020, com uma MP similar, 1,5 milhão tiveram os salários reduzidos e 9,8 milhões os contratos suspensos.

A socióloga Tábata Berg identifica que a precarização se expressou um tripé: terceirização, uberização e desmonte das leis trabalhistas.

“A gente tem um desmonte progressivo da CLT, com propostas de reformas trabalhistas cada vez mais duras. Essa é a realidade para os trabalhadores em todo o mundo, mas é ainda mais perverso nesse contexto, com um contingente significativo de trabalhadores que nunca experimentaram direitos sociais e direitos trabalhistas”, aponta a também pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Trabalho informal é realidade para 39,6 milhões de brasileiros em 2021, segundo IBGE / Governo Santos

Se o panorama geral é negativo, ao fazer um recorte de gênero e raça é possível perceber que o cenário pode ser ainda pior. As mulheres negras são 60% da população desempregada, segundo o IBGE. Também são as que passam mais tempo buscando emprego, 24% de 3 a 6 meses, e 18% passaram até um ano.

Além disso, são as piores remuneradas, uma mulher negra ganha em médio R$10,95 por hora, enquanto as mulheres brancas ganham cerca de R$18,15 por hora trabalhada, já os homens brancos tiveram uma média de R$20,79 de remuneração, segundo levantamento de 2020 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese).

Entre a juventude, quase um terço dos jovens brasileiros estão desempregados e 78% possui baixos salários ou contrários temporários.

A falta de renda gera uma reação em cadeia, com o aumento da fome da pobreza. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), 118 milhões de mulheres latino-americanas passaram a viver em situação de pobreza em 2020 – maior índice dos últimos 20 anos.

O Brasil voltou a fazer parte do mapa de fome da ONU, quase 60% dos lares brasileiros realizam menos de três refeições ao dia, com 125,6 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.

Categoria de entregadores de aplicativos se mobilizou em diversas capitais e cidades brasileiras durante Breque dos Apps em julho de 2020/Jaqueline Deister

A devastação gerada pela pandemia no mundo do trabalho exigiria ainda mais radicalidade dos sindicatos e outras formas de organização da classe nesse 1º de maio. No entanto, o descontrole dos contágios e a alta letalidade do vírus no Brasil, impedem a realização de grandes manifestações de rua.

Para esse ano, as centrais sindicais convocaram debates online com o lema “a vida primeiro”.

Para ambos sociólogos, o panorama dramático se agrava com a crise econômica iniciada em 2018 e com ascensão de governos de extrema direita.

E desde então os setores mais precarizados tem dado o ritmo das agendas de luta. No Brasil, em outros países da América Latina e na Europa, os entregadores por aplicativo realizaram mobilizações massivas e, em alguns lugares, conquistaram melhores condições de trabalho.

“A gente tem um contexto de avanço da extrema direita, mas também tem muitos focos de luta, como os entregadores em todo o mundo têm se organizado e conseguido vitórias importantes. As lutas dos trabalhadores e trabalhadoras nesse 1º de maio vai ser diferente do século XX e já começa a se desenhar esse perfil”, aponta Tábata Berg.

Para Ricardo Festin, é importante retomar o trabalho de base e o diálogo entre o movimento sindical, social e estudantil para enfrentar o desmonte da concepção de trabalho consolidada nas décadas anteriores.

“É necessário pensar um novo programa que dê conta nesse novo mundo do trabalho, que supere uma nostalgia fordista. Como vamos pensar direitos sociais, políticos, que não retorne as formas de intensificação e exploração da classe trabalhadora. Como vamos atender as maiorias que são minorizadas”, conclui.

 

Fernando Miller

Fernando Miller, paulistano, advogado, palmeirense

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