“Queiroga se arrepende de não ter planejado vacinação e agora omite falta de doses”, diz epidemiologista ao DCM

Atualizado em 16 de setembro de 2021 às 20:16
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, Reprodução: Sérgio Lima/Poder360 05.06.2021

O Ministério da Saúde voltou atrás e resolveu não recomendar a vacinação para adolescentes de 12 a 17 anos que não possuam comorbidades.

No início do mês, o órgão previa a imunização do grupo a partir do dia 15, mas justificando que grande parte dos adolescentes que pegam covid têm sintomas leves ou ficam assintomáticos, decidiu recuar.

Nesta quinta-feira (16), em entrevista coletiva, o ministro Marcelo Queiroga deu algumas explicações incoerentes sobre a decisão. Uma delas é a de que 1,5 mil adolescentes apresentaram eventos adversos após tomarem o imunizante.

Queiroga também lamentou que os estados estão vacinando “rápido demais” e desrespeitando orientações do governo federal.

Segundo o epidemiologista Jesem Orellana, pesquisador da Fiocruz no Amazonas, o representante da Saúde está tentando omitir vários problemas da gestão contra a pandemia.

Para ele, o governo quer principalmente “esconder a carência de doses da vacina”.

“O ministro deu um cheque sem fundo para a população e deixou claro que sua pasta não tem condições operacionais”, diz.

A declaração sobre os eventos adversos é “bobagem”, de acordo com o pesquisador. “Mesmo que isso seja verdade, milhões de adolescentes já foram vacinados e esse número caracteriza um risco muito baixo em comparação aos benefícios trazidos pelo imunizante”.

Técnicos da Anvisa se manifestaram contra a orientação e disseram que a agência já monitora casos de efeitos adversos.

“Na realidade, Queiroga se arrependeu de não ter estabelecido uma estratégia de distribuição de vacinas ao país, e por isso usa este argumento”, afirma Orellana.

O epidemiologista avalia que o ministro “errou suas previsões e não teve capacidade de convencer a população a se vacinar”.

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“Excesso de vacinas”

Com a segunda dose atrasada em ao menos seis estados, Queiroga disse ontem que há “excesso de vacinas” no país.

A principal tática do Ministério da Saúde para omitir a escassez, de acordo com Jesem Orellana, é “retardar a segunda dose para dizer que tem mais gente protegida”.

No gráfico que mostra a porcentagem de pessoas que receberam a primeira dose nos quatro países mais desenvolvidos da América do Sul, o Brasil aparece em terceiro lugar com quase 70%, à frente da Argentina e perto dos primeiros colocados, Uruguai e Chile.

Gráfico mostra primeira dose da vacinação em Uruguai, Chile, Brasil e Argentina.
Fonte: Our World In Data

Já no esquema que mostra a população totalmente vacinada, o Brasil fica em último, com menos de 40%.

Com o surgimento de novas variantes da Covid-19, a aplicação da segunda dose se torna cada vez mais fundamental.

O governo Bolsonaro, ao que parece, não se importa muito com isso.

Gráfico mostra vacinação em Uruguai, Chile, Brasil e Argentina.
Fonte: Our World In Data

Queiroga responsabiliza governadores

Na coletiva de hoje, Marcelo Queiroga colocou a culpa nos governadores, reclamando que cada estado tem adotado uma política diferente de vacinação.

Segundo o ministro, os estados estariam aplicando imunizantes de outros fabricantes além da Pfizer, que é o único autorizado pela Anvisa para menores de idade.

Para o Dr. Jesem Orellana, porém, o responsável por esta situação é o próprio ministério.

“A ingerência da Saúde tem deixado muita coisa em aberto. Não há regras claras e não há uma política rígida no sentido de padronizar a distribuição de vacinas”, diz.

“Queiroga reclama que os estados estão adotando sua política quando ele é quem deveria estar organizando isso.”

O pesquisador lembra que o órgão “não criou um programa articulado com estados e municípios. Assim, os governos fazem o que devem e o ministério devolve a culpa a eles.”

Segundo ele, esse vexame acontece principalmente devido ao “enfraquecimento da pasta ao longo da gestão do governo Bolsonaro e à politização do PNI (Programa Nacional de Imunizações).”

“O governo mostrou desinteresse em administrar de forma técnica a vacinação e agora tenta esconder que faltam imunizantes. Está claro que o problema é esse”, analisa o epidemiologista.