Quem são os culpados pelo incêndio em Santa Maria?

Dois músicos e o dono da boate Kiss foram presos. Serão os únicos a pagar?

Dois músicos e mais o dono da boate Kiss acabam de ser presos. Tiveram culpa? Sem dúvida. Serão os únicos a pagar? Há grandes chances.

Quem são os verdadeiros e grandes responsáveis? Com todas as letras: governadores, prefeitos, subprefeitos, fiscais, técnicos, bombeiros. Todos aqueles que com atitudes relapsas vão contribuindo para que “pequenas consequências” possam um dia se encontrar todas ao mesmo tempo numa noite de verão e, juntas, formarem o apocalipse. Até quem vendeu o sinalizador e quem, conscientemente, fez a instalação de um forro volátil é cúmplice. Mas quem irá pagar o pato? Eu não me espantaria se o próximo a ser preso for um dos seguranças que, cumprindo ordens, barraram a saída do público (sem saber, obviamente, a extensão do incêndio).

Da forma com que tratam essas tragédias, a culpa poderia ser minha também. Pai irresponsável que sou, nunca confiro se as “baladas” que meu filho semanalmente frequenta ocorrem em casas com alvarás. Poderia ser dele também, afinal, na faixa dos 20 anos, universitário, já estaria na hora de saber como detectar na escuridão de uma boate o prazo de validade num extintor de incêndio. É assim?

Enquanto escrevo, neste momento uma reportagem na TV ensina como funcionam os sinalizadores. Também não poderei mais isentar-me dessa culpa no futuro. Aliás, a cada nova tragédia, aprendemos para que e como funcionam os reversos dos aviões, os frisos nas pistas dos aeroportos e as rebimbocas das parafusetas. E daí? Daí a culpa é do piloto, do operário, do estagiário e, principalmente, do dono do bordel. Nunca de quem deveria fiscalizar previamente.

Durante a cobertura jornalística apressada da TV, alguns comentários como “as pessoas precisam verificar, quando entram nesses lugares, se há saídas de emergência”, são ouvidos repetidas vezes. Você faz isso? Quem faz isso? Em minha próxima viagem devo pedir para ir à cabine do comandante antes do pouso para ver se ele está obedecendo os padrões direitinho? Que jovem de 18, 19 ou 20 anos irá fazer um reconhecimento de área e verificação dos equipamentos de segurança numa festa? Mesmo que o mais nerd dos nerds da faculdade seja arrastado para participar de uma balada, nem ele faria isso.

E não é para fazer mesmo. Exatamente, não é responsabilidade sua. Nem minha.

Se o estabelecimento comercial existe, está aberto – e faturando – isso implica compreender que esteja apto para receber o público. Com pulserinhas sim, mas também com extintores, com saídas de emergência, com alvará, com registros, com sinalização adequada, com brigada de incêndio, com tudo como manda o figurino. Com todos os pressupostos. Com responsabilidade, acima de tudo. Há responsáveis. Muitos. Senão, como estaria funcionando, não é verdade?

Uma mortandade como a ocorrida em Santa Maria não acontece devido a um único fator ainda que o fogo de artifício sinalizador tenha sido, literalmente, o estopim da catástrofe. São vários os ingredientes para que algo daquela dimensão aconteça.

O revoltante é que todos eles, sem exceção, eram evitáveis.

Superlotação, crianças brincando com fogo, forro acústico altamente inflamável, pé-direito baixo, falta de sinalização e/ou saídas de emergência, etc, etc. Seria possível listar nem sei mais quantas, porém todas passíveis de medidas preventivas. O descaso com elas é que leva a essas consequências.

Portanto, se a saída da área VIP foi facilitada (alguém mais lembrou de Titanic?), se havia 500 pessoas a mais que a capacidade, se o poder público não vistoriou, tudo deve ser levado às últimas instâncias, pois são inúmeras as casas noturnas espalhadas pelo país que replicam esses mesmos padrões de “entretenimento”. E como ir para a balada é o que 99,9% dos jovens fazem nas madrugadas dos finais de semana, faz suscitar a velha questão: “Nem sei como isso não acontece mais vezes”.

Então, se não desejamos que isso termine só com a prisão do proprietário da boate e dos músicos, é preciso que se exerça forte cobrança sobre as autoridades não só pelas investigações e punições pela tragédia na Kiss, mas pelo cumprimento de normas daqui para frente. Todas elas. Sem jeitinho.

Leia mais: A maneira exemplar como os argentinos lidaram com uma tragédia parecida com Santa Maria

Leia mais: Sobre cultura da noite, a tragédia de Santa Maria e a Corrupção.

Mauro Donato

Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.

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