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Quem tem medo de Sininho?

Sininho

Quem tem medo de Sininho?

Alguns meses atrás escrevi um artigo com o título acima.

Bem, parece que muita gente, como sugere a prisão de Sininho sábado em Porto Alegre.

Não sei o que foi mais vexatório ontem, o desempenho da seleção ou a ordem da polícia do Rio de prender Sininho e outros ativistas supostamente vinculados ao grupo Black Bloc.

A polícia deu uma inflada assombrosa nas armas, aspas, que teriam sido encontradas entre os detidos.

Para isso contou com a contribuição milionária da imprensa, especialmente o Globo.

O revólver do pai de um ativista virou “armas de fogo”. O plano era usar “artefatos explosivos” num protesto hoje no Rio, na final da Copa.

Tanto quanto se sabe, os “artefatos explosivos” eram fogos de artifício, daqueles que você compra para festas juninas.

Protestar é proibido? Por antecipação, a polícia sabia que haveria vandalismo?

Há, aí, uma brutal inversão. As regras das manifestações foram tornadas claras. Vandalismo, não. Mas você prende as pessoas antes que elas cometam qualquer infração?

Já que estamos no futebol, é como aplicar cartão vermelho antes que o jogador faça falta.

Não é um problema de Dilma. Ela não responde pela polícia do Rio. Mas é claro que sua imagem fica, de alguma forma, ainda que injustamente, associada às prisões, já que ela preside o país.

Isso ajuda também a afastar jovens idealistas do PT. Não estou falando especificamente dos black blocs, mas de todos os garotos e garotas que anseiam por mais justiça social, e mais rapidamente – e identificam nas parcerias políticas em nome da governabilidade um empecilho a avanços.

Trinta anos atrás, jovens com tal perfil se inclinavam naturalmente pelo PT.

E hoje?

O PT tem um desafio: voltar a se tornar atraente para a juventude de esquerda. Casórios com Sarney, Maluf e tantos outros afastaram o partido deste público.

As prisões desta final de semana provocam um afastamento ainda maior.

Ah, mas a realidade política obriga a alianças que fazem você tapar o nariz: é este, sempre, o argumento para justificá-las.

O que foi feito, nestes anos todos, então, para ao menos tentar modificar essa realidade?

Nada, esta é a resposta.

Foi preciso que os jovens fossem às ruas nas chamadas Jornadas de Junho para que o PT acordasse para o distanciamento que se estabelecera entre o partido e a garotada idealista.

A partir de então, você viu duas coisas. A primeira foi o reconhecimento, ainda que discretamente, do problema.

Isso se deu em quase silêncio, e mais na cúpula do partido.

A segunda reação, alastrada entre a militância, se caracterizou pela agressividade extrema contra os jovens manifestantes.

Nisso, curiosamente, a militância petista acabou como que se igualando à direita.  Os adjetivos usados por gente como Reinaldo Azevedo para designar os black blocs são singularmente parecidos com os utilizados pela militância petista.

A verdade é que o PT deveria ser grato aos jovens dos protestos. Me refiro aos genuínos, aqueles que se motivaram por uma pauta de esquerda, os que se indignaram com coisas como a remoção de desvalidos para a Copa.

Foram essas pessoas que acordaram o PT para a realidade como ela é, e não como a liderança petista achava que fosse.

O PT gastou um bom tempo numa autocongratulação promocional em torno dos ganhos sociais de suas administração.

São ganhos reais, e merecem aplausos.

Mas a desigualdade, a despeito disso, é ainda acachapante. E a sociedade não parece disposta a esperar uma eternidade para que o Brasil ultrapasse os extremos de opulência e miséria que ainda hoje nos embaraçam.

O sistema político retarda o avanço? Que se mude.

Prender Sininho e companheiros não resolve nada. Antes, mostra a velha vontade de arrastar os problemas para debaixo do tapete.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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