Radicalização de atirador em SP passou por Discord e TikTok

Núcleo teve acesso a prints de conversa privada na qual autor do ataque em escola de SP disse querer "se sentir poderoso"

Atualizado em 24 de outubro de 2023 às 17:24
Arte: Rodolfo Almeida

Por Sofia Schurig no portal Núcleo.

O adolescente de 16 anos responsável pelo ataque na Escola Estadual Sapobemba, na zona leste de São Paulo, falou sobre cometer o crime um dia antes pelo Discord, segundo informações apuradas pelo Núcleo.

Meses atrás, vídeos do menor sendo agredido se tornaram virais no TikTok. Imagens do ataque e do autor também circularam na rede logo após o crime, na segunda-feira (23.out).

O ataque resultou em dois adolescentes feridos e uma fatalidade, uma adolescente de 17 anos. Ambas as plataformas enfrentam dificuldades para combater a radicalização de jovens.

É ✷ IMPORTANTE ✷ PORQUE…

  • Discord e TikTok têm tido problemas em moderar conteúdo extremista no Brasil e no mundo
  • Justiça brasileira tem dificuldade de acionar redes sem representação no país, o que dificulta o combate à violência e incitação à ataques em escolas

No Twitter/X, conhecido por sua falta de moderação de conteúdo principalmente após a aquisição por Elon Musk, o adolescente compartilhava piadas preconceituosas de cunho racista, algo proibido pelas diretrizes do X.

Por meio de perfis terceiros na plataforma, a reportagem encontrou vídeos que o adolescente postou no TikTok com suásticas desenhadas no rosto. A conta em que o conteúdo foi publicado está inativa (não conseguimos confirmar se foi removido pelo usuário ou pela plataforma, já que o Twitter/X não possui mais assessoria de imprensa).

“Queria me sentir poderoso”

A reportagem teve acesso às capturas de tela onde o perfil do jovem no Discord, atualmente fora do ar, anunciou o ataque em uma conversa privada com uma jovem. Na madrugada de domingo, ele disse que realizaria o ataque na segunda-feira. As imagens fazem parte da investigação da Polícia Civil de São Paulo.

O autor é descrito por outros usuários como “paneleiro”, uma gíria para identificar pessoas que se unem em servidores fechados do Discord para criar um ambiente tóxico e, por vezes, atuar de maneira criminosa.

Em uma das conversas, o adolescente respondeu que desejava sentir-se poderoso quando questionado sobre o motivo do ataque.

“Eu já sofri bullying mas sinceramente não me importo com vingança nenhuma. Quero controlar o tempo que a pessoa vai ficar viva”, escreveu na conversa no Discord que o Núcleo teve acesso.

As configurações do Discord dificultam que os usuários denunciem conversas privadas à equipe de moderação da plataforma. Na semana passada, a empresa anunciou novas funcionalidades destinadas a “melhorar a segurança e a experiência” dos adolescentes que utilizam a rede.

As próximas funcionalidades, incluindo alertas de segurança e filtros de conteúdo sensível, serão implementadas no próximo ano. Nenhuma das “novas proteções” engloba mensagens de texto privadas.

O Discord não possui representação legal no Brasil, e o site em português não é transparente sobre onde jornalistas podem contatar sua assessoria de imprensa.

Em junho, a Polícia Federal lançou uma operação para prender cinco criminosos que virtualmente torturaram pelo menos 15 vítimas, muitas vezes transmitindo esses atos ao vivo pela plataforma.

Vídeos de agressões no TikTok

O TikTok possui diretrizes rígidas contra bullying. No entanto, desde maio deste ano, vídeos do atirador de Sapobemba sofrendo agressões físicas por sua orientação sexual e identidade de gênero circulam na plataforma. Alguns deles têm milhares de visualizações.

Em abril deste ano ele chegou a registrar um boletim de ocorrência contra uma colega por conta de bullying.

Na tarde de segunda-feira, vídeos e fotos tanto do ataque quanto do atirador já circulavam no TikTok. Especialistas alertam que a divulgação de nomes e fotos desses criminosos, mesmo quando feita com propósitos informativos, pode ter o efeito de incentivar outras pessoas que estejam considerando cometer crimes semelhantes.

Por este motivo, o Núcleo não vai revelar nome, imagens ou prints de conversas que fundamentaram esta reportagem.

Escola Estadual Sapopemba. Reprodução

Operação em escola segura

Iniciada em abril, paralelo a uma onda de ameaças e massacres em escolas brasileiras, a Operação Escola Segura é uma iniciativa conjunta do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e da Polícia Federal (PF) de combate aos incentivos e planejamento de ataques em escolas brasileiras.

Os dados mais recentes sobre os resultados operação são de 3 de outubro. O Ministério informou que já realizou “917 solicitações de preservação e/ou remoção de conteúdo em redes sociais”, além de “412 solicitações de dados cadastrais nessas redes”.

Em 21 de setembro, o governo divulgou que quase mil profissionais de segurança pública participaram de um treinamento conduzido por um executivo do Discord. O objetivo era orientar as autoridades sobre como “fornecer orientações mais claras sobre como enviar solicitações adequadas de processos judiciais ao Discord e obter uma resposta mais rápida da empresa”.

De acordo com o MJSP, outros dez workshops do Discord ocorreram entre autoridades policiais e o Ministério Público nos últimos meses. A reportagem enviou uma série de perguntas para a assessoria do ministério, que não foram respondidas até o momento de publicação desta matéria.

Ainda segundo o comunicado do MJSP, o Discord relatou ter desativado “proativamente 98% dos servidores que estavam violando as suas políticas de segurança infantil, o que evitou que mais crimes fossem cometidos na plataforma”.

Um relatório recente publicado com exclusividade pelo Núcleo descreve como a subcomunidade de apoio aos massacres escolares no Twitter/X praticamente desapareceu devido à pressão das autoridades brasileiras.

Mas esses indivíduos passaram a migrar para plataformas mais privadas, como o Discord e o Telegram, onde crescem canais relacionados à radicalização de neonazistas brasileiros.

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