Raymundo Faoro não podia dar aulas, mas Janaína Paschoal pode? Por Moisés Mendes

Atualizado em 7 de fevereiro de 2023 às 23:55
Janaína Paschoal. Foto: Reprodução

É bom o debate sobre o abaixo-assinado de alunos do Direito da USP que não aceitam Janaína Paschoal de volta à sala de aula.

Janaína defendeu quase tudo que a extrema direita pregou nos últimos anos, incluindo o voto impresso, e esteve alinhada com o bolsonarismo até se desentenderem porque foi esnobada pela família.

Nem é preciso falar do ‘parecer jurídico’ em favor do golpe contra Dilma em 2016, feito pela professora que agora tenta voltar a lecionar, depois de perder a disputa pelo Senado em São Paulo e de encerrar o mandato de deputada estadual.

Eu não gostaria de ser aluno de Janaína por um único motivo, que está à frente de todos os outros (tentar intereditá-la já é outra questão bem mais ampla).

A ex-deputada é uma figura pública medíocre, uma reacionária simplória, com fala e argumentos rasos como militante política ou como ‘jurista’.

Janaína disse, depois do 8 de janeiro em Brasília, que defender o golpe não é crime, mas liberdade de expressão. E que os patriotas presos não estavam fazendo nada além de defender suas ideias.

Ela não pode ser melhor do que isso numa sala de aula, ou em aula ela é uma professora democrata e brilhante?

É inacreditável que Janaína Paschoal possa voltar a ser professora da USP. A mesma USP que nunca acolheria Raymundo Faoro em seus quadros, porque Faoro não tinha títulos.

O próprio Faro me disse, quando me despedia e agradecia por uma entrevista que fiz com ele em 1997 para Zero Hora.

Perguntei, ao encerrar a conversa por telefone, por que ele não dava aulas e essa foi a reposta: eles não me aceitam em universidade alguma, porque não tenho titulação, não sou doutor em coisa alguma.

O autor de Os Donos do Poder, uma das obras decisivas para que se entenda o Brasil (e que está em qualquer lista dos 10 mais importantes livros brasileiros) não poderia lecionar na USP.

Ah, dizem, mas ele poderia ter seu notório saber reconhecido. Reconhecido por quem, cara pálida?

O certo é que Raymundo Faoro não poderia ser professor na USP e em qualquer outra universidade. Mas Janaína pode. Janaína é doutora.

Uma aula de Janaína, com seu raciocínio básico de terceira série, deve ser uma tortura até para quem simpatiza com sua hermenêutica gongórica.

Abaixo, a íntegra da nota dos alunos da USP, emitida pelo Centro Acadêmico XI de Agosto:

“O retorno de Janaína Paschoal às atividades de docência na Faculdade de Direito da USP é uma notícia recebida com perturbação pelo corpo discente do Largo de São Francisco e pelo Centro Acadêmico XI de Agosto.

Desde que se tornou uma das lideranças e a principal fiadora jurídica da extrema-direita, Janaína abandonou os valores democráticos que devem permear as salas de aula da principal instituição de ensino jurídico do país.

Exemplo notório desse desvio é ter sido uma das poucas docentes que não assinou a ‘Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito’, documento histórico escrito pela Faculdade de Direito, que congregou o Brasil em defesa da democracia.

Consideramos que Janaína Paschoal tem dado uma contribuição indecente para o país. Foi a responsável por fundamentar juridicamente o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff e, em 2018, apoiou e surfou a onda bolsonarista para alcançar um mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Nos quatro anos sombrios que o país enfrentou sob o governo de Bolsonaro, Janaína se apresentou como uma espécie de bolsonarista esclarecida. No entanto, as suas supostas divergências com os movimentos de extrema-direita são mínimas e consideramos haver, em suas mãos, tanto sangue quanto nas mãos deles.

Felizmente, a população de São Paulo a negou um mandato no Senado. Por outro lado, a sua derrota na política possibilita um retorno às arcadas. É por isso que, antes que pise novamente no Território Livre do Largo de São Francisco, queremos que saiba que não é mais bem-vinda.

Hoje a Faculdade de Direito da USP é dos alunos negros e pobres. Hoje a universidade pertence aos defensores da democracia, não aos seus detratores. É exatamente por isso que você não cabe mais aqui. As nossas salas de aula se tornaram grandes demais para você.”

Publicado originalmente no blog do autor

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