Resgatado de trabalho escravo diz que apenas baianos eram agredidos: “Nós do Sul não apanhávamos”

Atualizado em 2 de março de 2023 às 17:03
Trabalhadores resgatados em condição análoga à escravidão foram alojados em ginásio de Bento Gonçalves
Foto: Reprodução

Um dos trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão na última semana, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, disse em entrevista ao UOL TAB que o tratamento dado a empregados que eram do sul era diferente ao de trabalhadores vindos de estados do Nordeste, em sua maioria da Bahia.

Segundo a reportagem, João (nome fictício) disse ter presenciado ao menos quatro seguranças entrando de madrugada no quarto ao lado, na pousada onde dormia. O trabalhador contou que acompanhou agoniado os barulhos das agressões. “Escutei barulho de choque, de gritos, de pedidos de socorro, mas não tinha o que a gente pudesse fazer.”

João é gaúcho de Portão, cidade próxima a Porto Alegre. Ele chegou à Serra em 25 de janeiro, um dia depois de ver nas redes sociais uma oferta de emprego na colheita da uva. O salário: R$ 2.000 pelo mês trabalhado. “Achei que fosse um trabalho como qualquer outro”, disse.

O trabalhador contou que, ao desembarcar da van com outras 30 pessoas, já encontrou trabalhadores baianos no campo.

Segundo ele, ao longo dos dias, passou a notar que o tratamento dado a ele e a outros gaúchos era diferente em relação aos baianos. “Eles apanhavam bastante. Qualquer coisa que estivesse errada, apanhava. Nós do Sul não apanhávamos”, relatou.

Após serem resgatados, João disse que se encontrou com um dos baianos no ginásio para onde foram levados. “Ele estava bastante machucado, com os olhos inchados”, afirmou.

A rotina de trabalho era puxada, com carga horária acima do combinado “A gente saía para trabalhar às 5h e chegava na pousada às 20h. O combinado era um horário normal, das 7h às 18h, com uma hora de intervalo”, contou João.

Espaço onde ficavam trabalhadores em Bento Gonçalves. Foto: Reprodução

Na hora do almoço, alguns trabalhadores acabavam não conseguindo comer, pois o prato de comida era entregue ao grupo ainda na madrugada e, enquanto trabalhavam a comida ficava ao relento, sem refrigeração, e acabava estragando.

Com fome, alguns trabalhadores acabavam engolindo a refeição azeda, inclusive João. Tanto no almoço quanto no jantar, o prato de comida era sempre o mesmo: arroz, feijão e frango. “Passei mal com a comida. Um dia a gente teve que parar de trabalhar, era diarreia e vômito. Um cara até foi parar no hospital”, lembrou.

Alguns trabalhadores recorriam a um mercadinho, que vendia produtos com o dobro do preço em relação à concorrência. Ali, eles só poderiam gastar R$ 400 por mês.

João ainda relatou que tinham poucos banheiros e que “era um barral”. Quem ficava em determinado andar só podia tomar banho nos chuveiros disponíveis naquele piso. O banho era com água gelada e as filas para usar o chuveiro eram enormes. De acordo com João, alguns só conseguiam tomar banho depois da meia-noite e em poucas horas já estariam de pé para começar a jornada, ainda na madrugada.

Participe de nosso grupo no WhatsApp, clique neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link