Ruth Manus: a vergonha dos brasileiros que estão trocando Miami por Portugal

Atualizado em 15 de abril de 2018 às 13:09
Pobres portugueses

Publicado no Observador

POR RUTH MANUS

Muito embora meu país esteja no pior cenário possível- um cenário que não tem nada de combate à corrupção, nada de melhoria, nada de caminhar para frente, mas sim um lamentável cenário de preservação de privilégios encardidos a qualquer custo – eu sigo muito orgulhosa da minha brasilidade. Do meu astral, das minhas raízes, do meu som, da minha essência.

Quando me mudei para Lisboa, eu não fugia de nada: nem de crise, nem de violência, nem de zika vírus. Vim única e exclusivamente por amor ao português com quem me casei. E hoje sou muito feliz aqui. Mas observo com alguma atenção a onda de imigrantes brasileiros que chega a Portugal nos últimos tempos.

Não tenho dúvidas de que os portugueses nos recebem agora com os mesmos braços abertos com os quais sempre recebemos os incontáveis imigrantes portugueses que foram se aventurar no Brasil. Agora é a vez deles. Não tem jeito, relação de ex-colonizador e ex-colonizado é sempre assim. Nunca nos livraremos uns dos outros. O que, no nosso caso, me parece algo bom.

A minha preocupação é que existe um certo tipo de brasileiro que começa a chegar a Portugal com uma mentalidade e um discurso que me fazem- talvez pela primeira vez na vida- ter uma certa vergonha dos meus conterrâneos.

Não tenho vergonha nenhuma dos brasileiros que vieram para Portugal para sobreviver em sub-empregos, ganhando no máximo um salário mínimo, vivendo em casinhas pequenas e periféricas, tentando juntar algum dinheiro para enviar para a família que passava fome no Brasil. Pelo contrário, tenho um orgulho imenso desses.

Tenho orgulho dos brasileiros que são faxineiros, que são empregadas domésticas, empregados de mesa, motoristas de uber, vendedores em lojas, operários em indústrias. Também não tenho vergonha das famosas e condenadas brasileiras que se prostituíram como último recurso para sustentar sozinhas seus filhos pequenos e seus pais doentes.

Me orgulho também dos brasileiros transferidos pelas empresas nas quais trabalhavam; dos que viram nesse pequeno país em ascensão uma grande oportunidade de criar novos negócios e novos empregos e dos que vieram para batalhar por uma vida mais feliz e mais livre.

No entanto, existe uma leva de brasileiros que há 10 ou 15 anos se mudaria do Brasil para Miami, mas que agora decidiu vir para Portugal para “se livrar do terceiro mundo”. São brasileiros com muito dinheiro no bolso e muito pouca coisa na cabeça. Brasileiros que tratam o Brasil com desprezo, que não valorizam nada da nossa cultura- ou que não valorizam a cultura de um modo geral.

Brasileiros que sintetizam todos os problemas do Brasil na figura do presidente Lula, enquanto ainda votam serenamente em homens sabidamente corruptos, mas que merecem todo tipo de perdão por serem brancos e ricos como eles. Brasileiros que são declaradamente racistas, que dizem que nordestinos não deveriam ter direito a voto e que falam dos programas de combate à miséria no Brasil com desprezo, enquanto compram foie gras com seus impostos sonegados.

Brasileiros que compram imóveis de meio milhão de euros e que ficam revoltados por terem que pagar horas extras às suas empregadas domésticas. Que compram garrafas de Barca Velha, mas que não fazem ideia do que foi o 25 de abril. Que elogiam o funcionamento do serviço público na Europa, mas que têm o mais genuíno horror ao combate a desigualdade social.

Sim, desses brasileiros eu me envergonho bastante. E peço desculpas aos portugueses por isso. Mas não há de ser nada. Assim que eles descobrirem que o atual primeiro ministro é do partido socialista, que o presidente é a favor do combate à pobreza- bem como que o país inteiro se comoveu com a morte do Mário Soares- eles fecham suas malas Louis Vuitton e voltam para Miami dizendo que não vão viver nessa filial de Cuba. Não adianta tentar explicar, eles não serão capazes de ouvir.

(Há 7 anos, o brilhante comediante Marcelo Adnet publicou esse vídeo, que não poderia retratar melhor – sobretudo nos últimos segundos- o triste brasileiro ao qual me refiro)