Se Belchior tivesse tido 1/5 desse reconhecimento em vida, talvez não morresse triste e escondido. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 2 de maio de 2017 às 11:18
RIP

A morte de Belchior gerou uma comoção nacional. Todos os brasileiros foram lembrados de como ele era importante.

Seu velório em Sobral, no Ceará, lotou. Milhares cantavam suas músicas, outros tantos tiravam selfies com seus sósias.

Caetano Veloso afirmou que suas canções “não são das que morrem”. Elba Ramalho o chamou de “um homem culto, inteligente, elegante, grande amigo, parceiro”.

Maria Rita falou “dos versos que tocam a alma profundamente, desde sempre, desde que entendo a música como ferramenta de explosão – explosão de amores”.

O Ministério da Cultura se manifestou. Até Michel Temer proferiu uma de suas cretinices (“Ele foi o intérprete de uma época rica do país”).

Emissoras de TV realizaram especiais, Faustão fez seus discursos sem sentido, as rádios tocaram suas canções.

Se Belchior tivesse tido um quinto desse carinho e desse reconhecimento em vida, talvez não tivesse morrido triste e escondido numa cidadezinho do Rio Grande do Sul.

O Brasil é especializado em destruir seus ídolos. O dístico de Brecht, pobre do país que precisa de heróis, é inaplicável aqui porque nós não os cultivamos, para o bem ou para o mal.

A última entrevista de Belchior foi em 2009 para o “Fantástico”. A repórter Sônia Bridi o encontrou no interior do Uruguai, para onde tinha fugido com a mulher Edna Prometeu.

“Não sou uma celebridade”, disse ele. “Assim que terminar esse trabalho aqui, com certeza eu vou de volta para a minha cidade amada, para os lugares mais queridos do Brasil, vou fazer show, vou soltar um disco com canções novas, e eu tenho certeza que vai ser simplesmente a continuidade do amor que o povo do Brasil sabe que eu tenho por ele”.

O auge de sua carreira foi entre 1976, lançamento do disco “Alucinação”, e 1980. A decadência foi paulatina. Shows escassearam, CDs pararam de vender.

Foi retirado do esquecimento completo por causa do folclore em torno de seu desaparecimento. Tinha dívidas com empresários e pensões alimentícias. Tinha mandados de prisão. Hospedava-se em casas de amigos e dava calotes em hoteis.

Virou uma figura cult, uma curiosidade nacional, uma espécie de ET de Varginha. Seus vídeos no YouTube passaram a bombar.

Parte dessa fuga era uma viagem pessoal insondável, parte era desespero e certeza de que vivia num lugar que o jogara no lixo.

Gravador por mais de 150 artistas, Belchior morre deixando um passivo financeiro enorme — enquanto Claudia Leitte, por exemplo, é uma mulher rica, com pendência junto à União de 22,5 milhões de reais. Entre outros.

Deveria haver espaço para todos, o luxo e o lixo, mas não é assim que vivemos.

A MPB tem meia dúzia de titãs celebrados o tempo inteiro e, aparentemente, mais nada. Chico, Caetano, Gil, Gal, Bethânia — e depois o silêncio.

Alguém sabe onde está Jards Macalé? Alguém tem ouvido falar de Arnaldo Baptista?

Nos EUA, tributos são organizados o tempo inteiro para artistas e bandas. Na Inglaterra, uma dos mais famosos foi o que Eric Clapton organizou em homenagem a Ronnie Lane, do Faces, com a presença de membros dos Stones, The Who, mais Jeff Beck e quem você quiser.

Por aqui, o único caso famoso foi o de Marcelo Nova, que organizou uma turnê com seu ídolo Raul Seixas. Nova, obviamente, foi chamado de oportunista. A gente não perdoa.

Belchior foi morto em vida pelo nosso descaso. Faltava ser enterrado.