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Sérgio Camargo não atendeu nenhuma liderança quilombola em dois anos de gestão

Sérgio Camargo não atendeu nenhuma liderança quilombola em dois anos de gestão

Publicado originalmente por Caroline Nunes em Alma Preta Jornalismo

Sergio Camargo e Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução

O certificado de autorreconhecimento de terras quilombolas é uma das tantas atribuições da fundação, que registrou a menor marca de emissões da história desde o início da gestão de Camargo

O presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Sérgio Camargo, não atendeu nenhuma liderança quilombola desde o início de sua gestão, em novembro de 2019. Informações apuradas pela Alma Preta Jornalismo apontam que dentre os diversos encontros de Camargo, registrados a partir de março de 2020, apenas duas pautas da agenda abordaram os povos tradicionais, com um total de duas horas de dedicação ao tema em um ano e meio.

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Uma das atividades foi o recebimento do livro “Revolução Quilombola”, do jornalista Nelson Barreto. O outro compromisso da agenda foi uma conversa com o grupo Etepa (Empresa Transmissora de Energia no Pará), a respeito dos impactos ambientais na área dos Quilombolas de Jambuaçu (PA). Ambas as atividades aconteceram em março de 2020 e em nenhuma delas houve a participação de um representante quilombola.

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), representada por sua coordenadora executiva, Célia Cristina da Silva Pinto, afirmou que por inúmeras vezes tentou contato com a FCP e com o presidente Sérgio Camargo, mas sem sucesso.

“Tentamos contato sobre as cestas de alimento no período crítico da pandemia, questão do licenciamento ambiental e as certificações, mas não tivemos retorno”, comenta Célia, membro do Quilombo Acre – Cururupu (MA).

Atribuições da Fundação Cultural Palmares

“Há um grande retrocesso com relação à política voltada para os quilombolas, do pouco que resta para sua efetivação, precisa ser negociada com os apoiadores do governo”, avalia Célia Cristina.

Segundo o que diz o site oficial da FCP, o órgão tem por responsabilidade uma etapa fundamental para a certificação de quilombos, que é a emissão do certificado de autorreconhecimento, além de participação no licenciamento de obras de infraestrutura e fomento à cultura afro-brasileira. No entanto, a Conaq afirma que a Palmares registrou a menor marca de emissões da história da fundação desde o início da gestão de Sérgio Camargo: 117 certidões emitidas.

As demais atribuições da Palmares abrangem a distribuição de alimentos às comunidades, e emissão de certidões para que estudantes egressos de territórios quilombolas tenham acesso a bolsas de estudo. A elaboração de análises a respeito dos direitos das comunidades tradicionais, garantido pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), também é uma das obrigações da FCP.

Com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Fundação Cultural Palmares atua para a inclusão de questões específicas para comunidades quilombolas no recenseamento, a fim de diminuir as disparidades de dados. O IBGE estima que em 2019 existiam 3.475 localidades quilombolas no Brasil. Já a Conaq acredita que esse número ultrapassa a marca de 6 mil.

Consequências

Para que uma comunidade tenha acesso à política de regularização de territórios quilombolas, primeiramente é necessário que ela se autorreconheça como um quilombo e que haja uma relação histórica com o território reivindicado, segundo a FCP. Estes fatores devem constar no pedido de autodefinição enviado à Fundação Cultural Palmares, que é a instituição responsável pela análise das informações e pela emissão da Certidão de Autorreconhecimento.

Apenas 162 das 3.477 comunidades quilombolas já reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares detêm a titularidade total ou parcial das terras, o equivalente a quase 5%, de acordo com a Conaq e com o Movimento Terra de Direitos. A coordenação ainda estima que existam outros 217 territórios quilombolas não reconhecidos e aguardando parecer da FCP para dar prosseguimento ao processo de titulação.

Após emitir o certificado, a FCP dá o suporte para que a comunidade adquira o documento definitivo de posse da terra, emitido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – ou seja, a titulação, que garante a propriedade do território e a autonomia da comunidade. O Incra é responsável pelo levantamento territorial e estudos antropológicos e históricos, para a correta demarcação da área a ser titulada, mas esse processo só pode ter início após o parecer da Fundação Cultural Palmares.

“Não temos diálogo, não existe nenhuma tentativa de aproximação por parte da Palmares até o momento com a Conaq”, reforça a coordenadora executiva Célia.

Em entrevista à Alma Preta Jornalismo, a assessora jurídica da Conaq, Vercilene Dias, ressalta que o apoio da Fundação Palmares, comandada por Sérgio Camargo, seria essencial para dar força às comunidades quilombolas e agilizar o processo de titulação de terras, mas isso não acontece.

“A Palmares nada tem feito de forma ativa. Mesmo assim, com as determinações judiciais, nem a FCP e nem o Incra fizeram nada pelas comunidades”, afirma.

Decisão do STF

No início deste mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a omissão do governo Bolsonaro na proteção das comunidades quilombolas e determinou um prazo de 15 dias para a União, representada pela Palmares e o Incra, apresente um cronograma completo de metas e orçamento para a titulação de terras quilombolas de todo o país. A Conaq afirma que os órgãos não vão cumprir a determinação. Nos próximos dias, a coordenação irá se organizar para contra-argumentar a negativa.

“A União impetrou com um agravo contra a decisão do ministro [Edson Fachin] e a Conaq tem 15 dias para se manifestar”, completa Célia Cristina.

A decisão do ministro tinha a pretensão de reparar os danos causados pelo Estado a esse grupo populacional, principalmente na pandemia. Segundo Célia, durante a crise sanitária pelo novo coronavírus, a FCP deixou os quilombolas ainda mais vulnerabilizados e não efetivou nenhuma ação de proteção às comunidades.

“A Palmares revogou a Instrução Normativa nº 1, de 31 de outubro de 2018, que trata sobre procedimentos administrativos nos processos de licenciamento ambiental de obras, atividades ou empreendimentos que impactem comunidades quilombolas. Embora a atribuição já havia sido transferida para o Incra, até hoje não normatizou nenhum procedimento”, pondera a coordenadora executiva.

Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Fundação Cultural Palmares para repercutir as informações coletadas. Até o momento desta publicação, o órgão não se manifestou.

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