Só o PIB fraco, ou seja, com o povo morrendo ou passando a pé de galinha, salva Brasil de apagões em 2022

Atualizado em 6 de outubro de 2021 às 9:48
Bolsonaro e o apagão
Bolsonaro voltou a falar sobre apagão

O jornal Valor Econômico traz uma abordagem interessante sobre a crise de energia no Brasil. Mostra que o risco de apagão é menor quando há um desempenho fraco da economia. Melhor dizendo, tem gente que se morrer ajuda a diminuir os custos com energia e água. Passar a pé de galinha também. Mais barato e aproveita o que antes ia para os porcos.

Neste ano pode ser que consigamos evitar um racionamento de energia elétrica, mas será muito difícil não haver blecautes. Em 2022, o risco de racionamento é ainda maior, e o que pode nos salvar disso é um desempenho fraco da economia, como preveem bancos e consultorias, afirma Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE).

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Para o economista, o governo está trabalhando “no fio da navalha”, mexendo na tarifa e fazendo leilões para contratação de energia gerada por térmicas, mas há duas variáveis importantes que não controla: as chuvas e o ritmo de retomada da economia.

“Em 2021 conseguimos passar sem racionamento porque começará a haver algum alívio em novembro e dezembro, com a energia de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, três usinas gigantes a fio d’água, que não têm reservatório e só geram energia quando chove”, diz Pires, em entrevista ao Valor. “Mas o que pode acontecer ainda neste ano são blecautes localizados e programados e queda de frequência [com aparelhos desligando e religando], pois estamos tendo dificuldade em atender o pico da demanda do dia.”

Mas o grande problema, afirma, será 2022. Isso porque há possibilidade de os reservatórios estarem secos depois do período úmido, operando a 10% da capacidade, diz. “Esse cenário é temeroso pois pode levar o governo a ter de fazer racionamento no ano que vem”, afirma.

“O que pode salvar mais uma vez o país de um racionamento é a economia. Nos últimos anos só não tivemos racionamentos e apagões porque a economia brasileira praticamente não cresceu. Previsões falam em crescimento de 1%, 1,2%. Isso pode ajudar a nos salvar de uma falta de energia em 2022”, continua.

Isso não significa, contudo, um arrefecimento da crise atual. Segundo Pires, o nível dos reservatórios não subirá com força, o governo terá de manter as usinas térmicas ligadas ao longo de 2022 e os preços continuarão altos.

“As tarifas de energia elétrica continuarão sendo as grandes vilãs da inflação, porque não será possível desligar as térmicas no ano que vem, mesmo com a economia crescendo pouco. Estou mais preocupado com 2022 do que com 2021”, diz.

Pires acrescenta que as linhas de transmissão operam no limite e qualquer problema técnico pode interromper o fornecimento de energia. “Me perguntam se vamos ter muito blecaute em outubro e novembro. Depende da temperatura. Se houver um veranico, podemos sobrecarregar ainda mais as linhas de transmissão”, diz.

Para o consultor, que é doutor em economia industrial pela Universidade Paris XIII, o Brasil acabou tendo uma matriz energética muito dependente do clima e da água e tem feito a transição energética sem planejamento.

“De 2009 em diante começou-se a demonizar as térmicas no mundo inteiro. Então, deixamos a matriz elétrica brasileira muito refém do clima. O clima mudou no mundo inteiro, e essa crise energética de hoje não é uma particularidade brasileira”, argumenta.

A transição energética ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) preocupa a nível mundial, afirma. “Demonizou-se muito a oferta de energia a carvão, gás natural e até nuclear. E, com um mundo cada vez mais eletrificado, a demanda continua crescendo, mas há um corte na oferta estrutural. Daqui para frente pode-se ter problemas graves, de preços muito elevados a nível global e até mesmo falta de energia”, diz. “Estamos acelerando a transição energética, mas as energias que substituiriam as fósseis dependem da natureza, que está conturbada [por causa das mudanças climáticas].”

A geração de energia por térmicas a gás ainda terá um peso importante na matriz brasileira e é preciso resgatar a oferta de energia nuclear, que consegue atender questões ambientais e demanda crescente, segundo Pires. Ele observa, contudo, que o Brasil tem de abandonar térmicas a óleo, que são caras e poluentes, e apostar nas usinas a gás.

“Hoje para poder não ter racionamento estamos ligando usinas térmicas que custam R$ 2.000 por Megawatt-hora [MWh]”, diz. Uma térmica a gás rodando 70% ou 80% do tempo, por sua vez, custaria R$ 400 por MWh, acrescenta.

Assim como os cortes de energia programados em 2001 para evitar o colapso do sistema elétrico, a crise energética atual pode pesar na eleição presidencial do ano que vem, argumenta. “O racionamento no governo Fernando Henrique Cardoso ajudou Luiz Inácio Lula da Silva a derrotar José Serra. Tanto que, logo no começo de seu mandato, Lula realizou leilões de térmicas para evitar um racionamento em seu governo”, diz.

Difícil para Bolsonaro

“Se houver racionamento no ano que vem, aí acho que será difícil para Jair Bolsonaro. De qualquer maneira, o racionamento de energia via preços que temos hoje continuará no ano que vem, e [a situação do] setor elétrico não vai ajudar na reeleição de Bolsonaro.”