Por que não faz sentido a tese de que a imprensa deve substituir a “oposição fragilizada”.
Uma das teses mais esquisitas que surgiram no Brasil moderno sugere que a imprensa livre, aspas, deve fazer o papel da oposição na política, dada a suposta fraqueza desta.
A ideia foi claramente formulada pela primeira vez, ao que parece, por uma executiva da Folha, Judith Brito, que ocupou a presidência da Associação Nacional de Jornais. Disse ela: “Os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada.”
Não é preciso mais que uma palavra para avaliar a tese: disparate.
Maiúsculas.
Exclamação.
Primeiro, e acima de tudo, as companhias jornalísticas não foram eleitas. Fazer política, numa democracia, é para quem conquistou votos. Fora disso, é uma usurpação, é uma mostra torrencial de presunção, é uma ameaça à democracia.
Na Inglaterra nos anos 1930, aconteceu uma situação semelhante. Mas o premiê Stanley Baldwin reagiu num discurso épico, atribuído por alguns a seu primo, o Nobel de Literatura Rudyard Kipling.
“Alguns jornais não são jornais no sentido estrito da palavra, mas motores de divulgação de mutantes idéias, caprichos, gostos, simpatias e antipatias de seus proprietários”, disse Baldwin. “O que esses donos estão buscando é o poder sem responsabilidade, algo que ao longo da história foi prerrogativa das prostitutas.”
Baldwin, se se calasse, provavelmente seria esmagado, como um professor que se recolhe enquanto os alunos vão mais e mais berrando. Mas falou, e com sabedoria enérgica e enfática. E a ordem foi restabelecida, e foi feita história em seu pronunciamento, citado como um dos mais memoráveis da vida política britânica.
Não é só isso.
Para quem fala tanto em mercado, é um contra-senso brutal. A falta de opositores relevantes gera, para quem acredita no poder do mercado, uma oportunidade para que apareçam políticos que ocupem um espaço não preenchido.
Mas mais uma vez: estamos falando de poder com responsabilidade, legitimado pelo voto.
Sêneca dizia que, ao se lembrar de certas coisas que dissera, sentia inveja dos mudos.
É uma frase na qual Judith Brito poderia pensar.
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