Spotify vira reduto de bolsonaristas divulgadores de fake news como Allan dos Santos e Monark

Atualizado em 25 de julho de 2023 às 20:43
Monark e Allan dos Santos. Imagem: Sariana Fernández/Aos Fatos

Por Gisele Lobato

Bloqueados das principais redes por disseminarem desinformação e ataques contra a democracia, os influenciadores Allan dos Santos e Bruno Aiub, conhecido como Monark, têm se aproveitado das falhas de moderação do Spotify para se esquivarem de decisões judiciais e lucrarem com podcasts em que disseminam mentiras contra o sistema eleitoral e a pandemia de Covid-19.

  • Apresentado por Allan dos Santos, Daniel Bertoreli e Adalex Góis, vinculados ao canal Terça Livre, o podcast Guerra de Informação começou a ser veiculado em 2 de março de 2022 e tem cerca de 140 episódios no Spotify;
  • O Aos Fatos analisou uma amostra aleatória de dez episódios do programa disponíveis na plataforma e verificou que em todos eles houve ataques às eleições ou a autoridades;
  • Ainda assim, o podcast é monetizado por meio de uma ferramenta do próprio Spotify, que facilita doações de usuários a criadores;
  • Já o Monark Talks, disponível no Spotify desde 26 de maio do ano passado, conta com quase 250 episódios, entre entrevistas e programas para comentar notícias ou responder perguntas de ouvintes;
  • Um dos episódios mais recentes, postado no Spotify em 29 de junho, foi dedicado quase integralmente a divulgar desinformações sobre a Covid-19.

Os comentários feitos pelos influenciadores nos programas desrespeitam as próprias diretrizes de usuário do Spotify, que proíbem a publicação de conteúdos ilegais. Pela legislação brasileira, isso inclui tanto crimes contra o Estado Democrático de Direito como infrações sanitárias.

Apesar das falhas de moderação, o Spotify também não é abrangido pela última versão do “PL das Fake News” (PL 2.630/2020), que propõe a regulação das plataformas digitais. O parecer do projeto, que aguarda votação na Câmara, atribui aos aplicativos que oferecem conteúdo sob demanda apenas obrigações relacionadas com o respeito aos direitos autorais, não havendo previsão de exigências de moderação.

Influenciador digital Monark. Foto: Reprodução

BLOQUEIOS JUDICIAIS E ATAQUES ÀS URNAS

Allan dos Santos vive atualmente nos Estados Unidos e é considerado foragido desde que teve sua prisão preventiva decretada em 2021, no âmbito do inquérito das fake news. Ele está na mira do STF (Supremo Tribunal Federal) nas investigações sobre a existência de uma milícia digital acusada de promover ataques à democracia. Tanto o blogueiro quanto o canal Terça Livre tiveram seus perfis no YouTube, no Instagram, no Facebook, no Twitter, no Telegram e no Gettr banidos por determinação do ministro Alexandre de Moraes, que também ordenou o bloqueio das contas bancárias do influenciador.

Já Monark teve suas contas retidas por Moraes no início do ano, por suposto apoio aos ataques golpistas de 8 de janeiro. Após criar novos perfis em várias plataformas, o influenciador foi alvo de outra ordem do STF em 13 de junho, que determinou a derrubada de suas contas no Instagram, no Telegram, no Rumble, no Discord e no Twitter.

A decisão foi motivada por comentários feitos por Monark em seu programa no Rumble do dia 5 de junho. Na ocasião, ele questionou a transparência das urnas e sugeriu que houve “maracutaia” no processo eleitoral. Ainda disponível no Rumble, o episódio que motivou o novo banimento também pode ser ouvido no Spotify.

Mesmo após a imposição do segundo bloqueio, Monark voltou a provocar o STF ao convidar Allan dos Santos para participar de seu programa no último dia 11. No episódio, também disponível no Spotify, os dois voltaram a questionar o resultado do pleito de 2022. “Pra mim não teve eleição, né?”, declarou Allan dos Santos. Em sua réplica, Monark disse que “com certeza não foi uma eleição justa e nem limpa”.

Os ataques a autoridades e insinuações sobre uma suposta fraude eleitoral ocorrida no ano passado também são temas recorrentes no podcast de Allan dos Santos. O Aos Fatos encontrou exemplos desse tipo de discurso desinformativo em todos os dez episódios analisados do Guerra de Informação, que estavam presentes no Spotify:

  • Em 27 de junho deste ano, Santos afirmou que Bolsonaro ainda era presidente, já que “não houve eleição”, e criticou o fato de o ex-mandatário estar se submetendo ao julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). “Aceitar ser julgado pelo TSE é dizer que teve eleição limpa”;
  • Após o tribunal declarar a inelegibilidade do ex-presidente, o blogueiro voltou a questionar as urnas ao criticar a corrida da direita para apontar nomes para a sucessão de Bolsonaro. “Qualquer pessoa que você queira que seja político, ela vai ter que ser eleita como urna eletrônica ou sem urna eletrônica? Porque se for com urna eletrônica, eu acho que eu não preciso dizer o que vai acontecer”;
  • Santos também usou seu podcast no último dia 6 para proferir ofensas contra o ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de “juiz de merda”, “psicopata” e “paquita das trevas” ao criticar “a tirania jurídica brasileira”.
Allan dos Santos ataca autoridades no “Monark Talks”. Foto: Reprodução

ACORDO COM O TSE

Em maio do ano passado, o Spotify firmou uma parceria com o TSE para combater a desinformação, visando garantir a integridade das eleições. O acordo, que vigorou até 31 de dezembro, previa que a plataforma auxiliasse a Justiça Eleitoral a identificar e conter casos de desinformação, além de disponibilizar um canal para que autoridades denunciassem conteúdos.

Entretanto, mesmo no período de vigência do acordo com o TSE, o Spotify permitiu que ataques à legitimidade das eleições fossem veiculados de forma recorrente pelo Guerra de Informação.

Em episódio gravado no dia 4 de outubro, por exemplo, logo após o primeiro turno, Allan dos Santos afirmou que o TSE teria armado uma cruzada contra Bolsonaro e que as eleições seriam fraudadas. O blogueiro e os outros apresentadores do podcast repetiram as mesmas mentiras após o segundo turno, em 21 de novembro, quando alegaram que Lula não teria sido “eleito pelo povo” e que iria assumir o Executivo para “implementar de vez o socialismo no Brasil”.

No episódio, o influenciador também apelou para que seus ouvintes pressionassem as “elites intelectuais” com o intuito de tentar reverter a situação:

“O povo está na rua, as Forças Armadas estão absolutamente prontificadas a tomar qualquer decisão que venha de uma das autoridades da república. O presidente da República pode tomar essa decisão e nós precisamos dessas classes jurídicas, dos advogados, dos juízes, da magistratura, dos advogados e dos jornalistas se manifestando publicamente”, declarou.

Além dos dez episódios do Guerra de Informação disponíveis no Spotify, o Aos Fatos também identificou quatro transmissões do programa que não estão na plataforma. Todas foram feitas logo após o segundo turno das eleições. No programa de 6 de novembro, Santos chegou a defender que o povo declarasse o Estado como “ilegítimo” e pregou “desobediência civil e paralisação total”. “Tem que buscar ajuda externa. Ou então fazer com que os generais virem homem e parem de usar calcinha”, disse.

A reportagem questionou o Spotify para saber se os episódios foram tirados do ar por iniciativa da plataforma, mas a empresa não respondeu nenhuma das perguntas enviadas pelo Aos Fatos. Já o TSE declarou que “eventuais processos que tratem do tema correm sob sigilo”.

PANDEMIA DE DESINFORMAÇÃO

As falsas alegações de fraude nas eleições não são o único exemplo de desinformação veiculado pelos dois podcasts no Spotify. Em 29 de junho, Monark dedicou um episódio inteiro de seu programa a uma entrevista com o médico negacionista Francisco Cardoso, apresentado como um especialista “perseguido politicamente pela ditadura sanitária que a gente viveu e ainda vivemos no Brasil”. O infectologista foi um dos depoentes na CPI da Covid em 2021 por indicação do governo Bolsonaro.

Ao longo de três horas, Cardoso criticou o uso de máscaras e as medidas de isolamento, além de defender tratamentos comprovadamente ineficazes para a Covid-19, como a cloroquina e a ivermectina — cuja restrição atribuiu a um “projeto de controle social do globalismo”. O infectologista declarou ainda que as vacinas foram feitas às pressas, o que a Anvisa já negou, e que seriam incapazes de evitar a propagação do vírus. Também atribuiu a elas uma série de efeitos colaterais graves, embora a OMS (Organização Mundial da Saúde) reitere que os imunizantes são seguros e eficazes.

Reincidência. A propagação de desinformação sobre a pandemia no Monark Talks ocorreu mesmo após o Spotify ter enfrentado uma crise pelo mesmo motivo nos Estados Unidos no começo do ano passado. À época, o podcast The Joe Rogan Experience, apresentado pelo humorista americano Joe Rogan, foi acusado de desincentivar jovens a se vacinarem e divulgar remédios comprovadamente ineficazes no combate ao coronavírus, como a ivermectina. Rogan também foi criticado por usar termos racistas em seu programa.

Em contrato de exclusividade com o Spotify, o americano teve alguns de seus episódios removidos pela plataforma. Apesar de ter visto suas ações despencarem e ter sofrido boicote de músicos como Neil Young, o Spotify decidiu manter o podcast no ar e anunciou uma política para combater a desinformação relacionada à pandemia da Covid-19.

Como parte da estratégia, a empresa também adquiriu, em outubro, a Kinzen, startup especializada em moderação. A página da empresa cita entre seus cases de atuação a moderação nas eleições brasileiras e de conteúdo desinformativo na área médica. A despeito disso, as mentiras sobre a pandemia continuaram a circular.

O Aos Fatos procurou por email os canais Terça Livre e Monark Talks, para questionar sobre as declarações de seus apresentadores, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.

O médico Francisco Cardoso criticou o prazo para resposta ao pedido de posicionamento, que afirmou ser “impossível” de responder sem que tivessem sido especificados os trechos questionados da entrevista. O infectologista enviou na sequência uma série de links de artigos científicos e reportagens que, segundo ele, demonstram a ineficácia do uso de máscaras e do lockdown e a ineficiência e falta de segurança das vacinas. “Informo que ‘falsas’, com todo o respeito, aparentam ser as investigações realizadas” pelo Aos Fatos, declarou.

Texto originalmente publicado em Aos Fatos

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