Por Gisele Lobato
Bloqueados das principais redes por disseminarem desinformação e ataques contra a democracia, os influenciadores Allan dos Santos e Bruno Aiub, conhecido como Monark, têm se aproveitado das falhas de moderação do Spotify para se esquivarem de decisões judiciais e lucrarem com podcasts em que disseminam mentiras contra o sistema eleitoral e a pandemia de Covid-19.
Os comentários feitos pelos influenciadores nos programas desrespeitam as próprias diretrizes de usuário do Spotify, que proíbem a publicação de conteúdos ilegais. Pela legislação brasileira, isso inclui tanto crimes contra o Estado Democrático de Direito como infrações sanitárias.
Apesar das falhas de moderação, o Spotify também não é abrangido pela última versão do “PL das Fake News” (PL 2.630/2020), que propõe a regulação das plataformas digitais. O parecer do projeto, que aguarda votação na Câmara, atribui aos aplicativos que oferecem conteúdo sob demanda apenas obrigações relacionadas com o respeito aos direitos autorais, não havendo previsão de exigências de moderação.
BLOQUEIOS JUDICIAIS E ATAQUES ÀS URNAS
Allan dos Santos vive atualmente nos Estados Unidos e é considerado foragido desde que teve sua prisão preventiva decretada em 2021, no âmbito do inquérito das fake news. Ele está na mira do STF (Supremo Tribunal Federal) nas investigações sobre a existência de uma milícia digital acusada de promover ataques à democracia. Tanto o blogueiro quanto o canal Terça Livre tiveram seus perfis no YouTube, no Instagram, no Facebook, no Twitter, no Telegram e no Gettr banidos por determinação do ministro Alexandre de Moraes, que também ordenou o bloqueio das contas bancárias do influenciador.
Já Monark teve suas contas retidas por Moraes no início do ano, por suposto apoio aos ataques golpistas de 8 de janeiro. Após criar novos perfis em várias plataformas, o influenciador foi alvo de outra ordem do STF em 13 de junho, que determinou a derrubada de suas contas no Instagram, no Telegram, no Rumble, no Discord e no Twitter.
A decisão foi motivada por comentários feitos por Monark em seu programa no Rumble do dia 5 de junho. Na ocasião, ele questionou a transparência das urnas e sugeriu que houve “maracutaia” no processo eleitoral. Ainda disponível no Rumble, o episódio que motivou o novo banimento também pode ser ouvido no Spotify.
Mesmo após a imposição do segundo bloqueio, Monark voltou a provocar o STF ao convidar Allan dos Santos para participar de seu programa no último dia 11. No episódio, também disponível no Spotify, os dois voltaram a questionar o resultado do pleito de 2022. “Pra mim não teve eleição, né?”, declarou Allan dos Santos. Em sua réplica, Monark disse que “com certeza não foi uma eleição justa e nem limpa”.
Os ataques a autoridades e insinuações sobre uma suposta fraude eleitoral ocorrida no ano passado também são temas recorrentes no podcast de Allan dos Santos. O Aos Fatos encontrou exemplos desse tipo de discurso desinformativo em todos os dez episódios analisados do Guerra de Informação, que estavam presentes no Spotify:
ACORDO COM O TSE
Em maio do ano passado, o Spotify firmou uma parceria com o TSE para combater a desinformação, visando garantir a integridade das eleições. O acordo, que vigorou até 31 de dezembro, previa que a plataforma auxiliasse a Justiça Eleitoral a identificar e conter casos de desinformação, além de disponibilizar um canal para que autoridades denunciassem conteúdos.
Entretanto, mesmo no período de vigência do acordo com o TSE, o Spotify permitiu que ataques à legitimidade das eleições fossem veiculados de forma recorrente pelo Guerra de Informação.
Em episódio gravado no dia 4 de outubro, por exemplo, logo após o primeiro turno, Allan dos Santos afirmou que o TSE teria armado uma cruzada contra Bolsonaro e que as eleições seriam fraudadas. O blogueiro e os outros apresentadores do podcast repetiram as mesmas mentiras após o segundo turno, em 21 de novembro, quando alegaram que Lula não teria sido “eleito pelo povo” e que iria assumir o Executivo para “implementar de vez o socialismo no Brasil”.
No episódio, o influenciador também apelou para que seus ouvintes pressionassem as “elites intelectuais” com o intuito de tentar reverter a situação:
“O povo está na rua, as Forças Armadas estão absolutamente prontificadas a tomar qualquer decisão que venha de uma das autoridades da república. O presidente da República pode tomar essa decisão e nós precisamos dessas classes jurídicas, dos advogados, dos juízes, da magistratura, dos advogados e dos jornalistas se manifestando publicamente”, declarou.
Além dos dez episódios do Guerra de Informação disponíveis no Spotify, o Aos Fatos também identificou quatro transmissões do programa que não estão na plataforma. Todas foram feitas logo após o segundo turno das eleições. No programa de 6 de novembro, Santos chegou a defender que o povo declarasse o Estado como “ilegítimo” e pregou “desobediência civil e paralisação total”. “Tem que buscar ajuda externa. Ou então fazer com que os generais virem homem e parem de usar calcinha”, disse.
A reportagem questionou o Spotify para saber se os episódios foram tirados do ar por iniciativa da plataforma, mas a empresa não respondeu nenhuma das perguntas enviadas pelo Aos Fatos. Já o TSE declarou que “eventuais processos que tratem do tema correm sob sigilo”.
PANDEMIA DE DESINFORMAÇÃO
As falsas alegações de fraude nas eleições não são o único exemplo de desinformação veiculado pelos dois podcasts no Spotify. Em 29 de junho, Monark dedicou um episódio inteiro de seu programa a uma entrevista com o médico negacionista Francisco Cardoso, apresentado como um especialista “perseguido politicamente pela ditadura sanitária que a gente viveu e ainda vivemos no Brasil”. O infectologista foi um dos depoentes na CPI da Covid em 2021 por indicação do governo Bolsonaro.
Ao longo de três horas, Cardoso criticou o uso de máscaras e as medidas de isolamento, além de defender tratamentos comprovadamente ineficazes para a Covid-19, como a cloroquina e a ivermectina — cuja restrição atribuiu a um “projeto de controle social do globalismo”. O infectologista declarou ainda que as vacinas foram feitas às pressas, o que a Anvisa já negou, e que seriam incapazes de evitar a propagação do vírus. Também atribuiu a elas uma série de efeitos colaterais graves, embora a OMS (Organização Mundial da Saúde) reitere que os imunizantes são seguros e eficazes.
Reincidência. A propagação de desinformação sobre a pandemia no Monark Talks ocorreu mesmo após o Spotify ter enfrentado uma crise pelo mesmo motivo nos Estados Unidos no começo do ano passado. À época, o podcast The Joe Rogan Experience, apresentado pelo humorista americano Joe Rogan, foi acusado de desincentivar jovens a se vacinarem e divulgar remédios comprovadamente ineficazes no combate ao coronavírus, como a ivermectina. Rogan também foi criticado por usar termos racistas em seu programa.
Em contrato de exclusividade com o Spotify, o americano teve alguns de seus episódios removidos pela plataforma. Apesar de ter visto suas ações despencarem e ter sofrido boicote de músicos como Neil Young, o Spotify decidiu manter o podcast no ar e anunciou uma política para combater a desinformação relacionada à pandemia da Covid-19.
Como parte da estratégia, a empresa também adquiriu, em outubro, a Kinzen, startup especializada em moderação. A página da empresa cita entre seus cases de atuação a moderação nas eleições brasileiras e de conteúdo desinformativo na área médica. A despeito disso, as mentiras sobre a pandemia continuaram a circular.
O Aos Fatos procurou por email os canais Terça Livre e Monark Talks, para questionar sobre as declarações de seus apresentadores, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.
O médico Francisco Cardoso criticou o prazo para resposta ao pedido de posicionamento, que afirmou ser “impossível” de responder sem que tivessem sido especificados os trechos questionados da entrevista. O infectologista enviou na sequência uma série de links de artigos científicos e reportagens que, segundo ele, demonstram a ineficácia do uso de máscaras e do lockdown e a ineficiência e falta de segurança das vacinas. “Informo que ‘falsas’, com todo o respeito, aparentam ser as investigações realizadas” pelo Aos Fatos, declarou.
Texto originalmente publicado em Aos Fatos
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