Tio Sam não quer mais refinarias no Brasil. Por Miguel do Rosário

Atualizado em 2 de fevereiro de 2022 às 15:59
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Tio Sam não quer mais refinarias no Brasil

Sergio Moro não apenas foi um mau juiz e um mau ministro da Justiça.

Ele também é um péssimo candidato a presidência da república.

Em palestra recente a empresários, o ex-juiz da Lava Jato resumiu seu projeto de governo: “se for possível privatizar tudo, que se privatize tudo”.

E não poupou ataques a Petrobrás, a joia da coroa do Estado brasileiro:

“A Petrobras teve papel importante para o país, mas é uma empresa atrasada, que ainda vive da exploração do petróleo, um combustível que o resto do mundo já não está mais usando. Hoje, estamos discutindo outras formas de energias limpas, mais ambientalmente corretas”.

A informação de que é o petróleo é um combustível que “o resto do mundo já não está usando” é mentira.

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), os combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) respondem por mais de 80% de toda a energia consumida no mundo.

No caso do Brasil, temos a sorte de possuir uma infra-estrutura hídrica abundante, e um uso bem acima da média global de fontes renováveis, ainda assim, o petróleo é o combustível mais usado.

A matriz hidráulica, além disso, depende de chuvas, e como temos visto em crises recentes, há anos em que chove pouco e temos de apelar para termoelétricas movidas a… petróleo (na forma de gás natural ou diesel).

No caso dos transportes, o Brasil é um país no qual a circulação de pessoas e mercadorias se faz através de veículos movidos a gasolina, gás natural ou diesel (motos, carros, ônibus, caminhões, aviões).

Segundo a Agência de Informação Energética do governo americano, a EIA, o petróleo e o gás natural continuarão a ser os combustíveis mais usados pelo mundo até 2050, e sem tendência de diminuição a partir daí.

Energias renováveis vem crescendo de maneira muito rápida, mas o consumo global de energia, de maneira geral, vem subindo rapidamente.

O uso de carvão já começou a declinar dramaticamente, e deve cair ainda mais nas próximas décadas, e deve ser substituído sobretudo por gás natural, o que explicaria também o aumento vigoroso na demanda deste último.

O que se prevê é o aumento do uso de energia elétrica em veículos leves, mas até que isto se torne um fenômeno de massa, estima-se que levará algumas décadas. E mesmo assim, lembre-se que a energia elétrica não é uma fonte primária, ou seja, será ainda necessário petróleo (gás natural ou diesel) para se movimentar uma termoelétrica responsável pela produção da eletricidade que abastecerá o carro do futuro.

A frase de Moro é particularmente idiota para alguém que admira tanto os Estados Unidos. Se o mundo não está mais usando petróleo, e se este é um setor atrasado, por que os Estados Unidos  exportou US$ 147 bilhões em petróleo e derivados diretos em 2019, e isso sem contar a imensa gama de produtos da cadeia petróleo, como plásticos e adubos?

Na tabela abaixo, identificamos os principais exportadores de petróleo, cru e refinado, do mundo, nos anos 2000 e 2019. O Brasil figura em  décimo sétimo lugar, apesar de já ocupar, em vários ranking, o nono lugar em produção.

O responsável direto por essa posição ruim no ranking de exportação de petróleo é a baixa capacidade instalada de refino no Brasil, insuficiente até mesmo para abastecer o nosso mercado interno. As refinarias brasileiras vem atendendo cerca de 70% da demanda doméstica, e isso num período de baixíssimo crescimento econômico. Se o país voltar a crescer a taxas mais robustas, as necessidades de importação de derivados devem explodir. É uma armadilha já antiga, montada para impedir o nosso desenvolvimento.

No gráfico abaixo, vemos que os EUA respondem por 18% do refino mundial, e a China por outros 16%. A pequena Coreia do Sul tem 3,5% do refino global, e o Brasil, apenas 2,3%.

No gráfico abaixo, atualizado até 2020 (mas em 2021 não mudou nada), vemos a estagnação brasileira na produção de derivados. O nível de hoje está bem abaixo de 2014.

Em outra tabela,  vemos que, apesar do aumento de 55% das exportações brasileiras de petróleo bruto em 2021, as exportações de diesel caíram 77%.

O principal derivado de petróleo exportado pelo Brasil é “fuel oil”, uma espécie de refugo de baixa qualidade e baixo valor agregado.

As quantidades exportadas pelo Brasil de gasolina, diesel, querosene de aviação, as estrelas do refino, são ridiculamente pequenas.

As importações de derivados cresceram 82% em 2021, e isso sem contar os produtos da cadeia petróleo. Apenas a importação de diesel consumiu US$ 7 bilhões.

Gastamos ainda US$ 3,6 bilhões com a importação de nafta e US$ 1,16 bilhão com gasolina.

Se incluirmos adubos, plásticos e gás natural no conjunto de produtos da cadeia petróleo, as despesas com importação chegaram a US$ 47,66 bilhões em 2021, alta de 86% sobre o ano anterior, e correspondente a 21,7% do total das importações brasileiras.

Em 2021, esses produtos corresponderam a 16% do total importado. Em dez anos, o Brasil importou US$ 403,3 bilhões em produtos da cadeia petróleo, o equivalente, em reais, a R$ 2,12 trilhões. Pense nisso na próxima vez que você ouvir um liberal dizendo que é muito caro construir refinaria…

Fizemos também uma tabela com o saldo comercial do grupo de produtos da cadeia petróleo. É preocupante que, mesmo com o recorde nas exportações de petróleo bruto, permanecemos com um déficit de US$ 6 bilhões, em virtude do aumento brutal das importações de adubos, plásticos, gás natural, nafta e diesel.

***

Adivinha quem vem ganhando com essa política entreguista, iniciada com a Lava Jato, de desmontar os projetos de construção de refinarias e privatizar as que já temos?

Sim, ele, o Tio Sam!

Em 2021, o Brasil importou US$ 16,17 bilhões de produtos americanos de petróleo, alta de 78% sobre o ano anterior.  Recorde histórico.

Conclusão

O Brasil cultivou para si, com todo o cuidado, a famosa doença holandesa, em tempo recorde. Ao mesmo tempo que aumentou sua produção e exportação de petróleo bruto, viu crescer exponenciamento as importações de refinados e produtos a base de petróleo, os quais pesam cada vez mais na balança comercial brasileira. E tudo isso num cenário de profunda estagnação econômica. Imagina quando o Brasil voltar a crescer?

O Brasil precisa enfrentar o interesse de outros países, em especial os Estados Unidos, que tentam nos manter como um mercado próprio para os seus refinados.

É necessário ampliar o parque refinador nacional, para atendermos a demanda interna e, se for possível, agregarmos valor ao petróleo exportado, vendendo-o não apenas como combustível, mas também na forma de polímeros e plásticos!

A venda de refinarias da Petrobrás para grupos estrangeiros, por sua vez, gera o pior dos mundos: um mercado interno controlado por oligopólios privados, e um mercado externo sob o jugo dos interesses do imperialismo americano.

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Como escapar dessas armadilhas?

A resposta é simples. Parece radical, mas é a única maneira: reestatizando a Petrobrás, através da recompra de suas ações pelo governo, retomada das refinarias privatizadas, e a construção de novas refinarias, modernas e inteligentes, já abertas para serem convertidas em centros de pesquisa para energias limpas e renováveis.

Artigo publicado originalmente no site O Cafezinho

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