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Todo brasileiro branco quer dizer a Neymar como agir quando o chamam de macaco. Por Kiko Nogueira


Neymar teve a reação que, eventualmente, se esperava dele diante das ofensas racistas que ouviu no jogo do Barcelona contra o Espanyol. “Não escutei os gritos. Não escuto coisas fora do campo, só jogo futebol”, disse a um canal de TV.

Bem, o mundo inteirou ouviu “uh, uh, uh, uh” — a maneira civilizada como os espanhóis imitam macacos nas partidas para espicaçar atletas negros.

Com uma atitude de suposta superioridade, Neymar corroborou o cinismo do presidente do clube, Joan Collet, que conseguiu dar a entender que aqueles palhaços no estádio emitindo sons simiescos — tudo registrado pela televisão — estavam apenas se divertindo. Mais tarde, admitiu que “foi uma minoria”.

A cada vez em que Neymar Jr. é hostilizado dessa maneira, sua semelhança com Pelé nesse quesito vem à tona. Também é desenterrada uma entrevista de 2010 com a colunista Sonia Racy. Ele tinha 18 anos. Sonia lhe indagou se já fora vítima de racismo. “Nunca. Nem dentro e nem fora de campo. Até porque eu não sou preto, né?”

Isso podia ser debitado na conta da juventude. Mas, desde então, ele foi alertado de que estava equivocado em diversas ocasiões.

Em 2011, num jogo do Brasil com a Escócia, em Londres, lhe atiraram uma banana, um clássico. Sua resposta: “Prefiro nem tocar no assunto, para não virar uma bola de neve”, falou. Quando se descobriu que um alemão havia cometido a imbecilidade, a federação escocesa ainda exigiu de Neymar uma retratação.

Em 2013, o técnico do Ituano o xingou. No ano seguinte, os próprios torcedores do Barcelona o hostilizaram após uma derrota para o Granada.

Em 2014, ele foi uma das estrelas da campanha “Somos Todos Macacos”, criada pela agência Loducca depois que Daniel Alves comeu uma banana que lhe foi lançada no gramado.

A diluição foi tamanha que até Luciano Huck pegou uma carona na coisa. O carinho dos fãs do Espanyol no domingo dá uma boa medida da eficácia da iniciativa.

É injusto e inútil exigir que Neymar aja da maneira como eu ou você desejamos — especialmente se eu e você formos brancos. Ninguém, a não ser ele mesmo, sabe o quanto realmente doi, ou não, ver bandos de covardes racistas tentando humilhá-lo no trabalho.

Uma coisa, porém, é certa: se há algo mais inócuo do que um lance boboca de marketing é o silêncio. Neymar terá muito tempo para refletir sobre o assunto porque esse pessoal não vai parar nem na Espanha, nem em lugar algum. Já que ele não escuta os gritos, seus senhores continuarão gritando.

 

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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