“Tudo é excessivamente simplificado e rasteiro”: o cartunista Aroeira no DCM. Por Pedro Zambarda

Atualizado em 17 de setembro de 2015 às 19:14
By Aroeira
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Renato Aroeira, músico e chargista mineiro, já passou por jornais como O Globo e Brasil Econômico. Atualmente seus desenhos podem ser vistos no O Dia, em que afirma ter “total liberdade”.

Aroeira ganhou a semana com uma charge que mostrava a presidente Dilma Rousseff com os olhos vendados diante de um paredão pronto para alvejá-la de balas. Ao invés de armas, os atiradores empunhavam jornais e revistas.

Depois, fez outra que mostrava Lula e Dilma sendo alvejados por Fernando Henrique Cardoso, Gilmar Mendes, Eduardo Cunha e Aécio Neves, inspirado na cena sanguinária do quadro “Os Fuzilamentos de 3 de Maio”, do pintor espanhol Francisco de Goya.

Aroeira é o saxofonista do espetáculo “30 anos de democracia: Que país é este?”, encabeçado pela dupla de cartunistas Chico e Paulo Caruso. Ele falou com o DCM.

Você acha que o espírito do tempo atualmente na imprensa é o de fazer charges críticas da própria mídia?

Dentro da imprensa, acho que não. Mas, sem dúvida, deve-se criticar a mídia. Especialmente no Brasil em que a concentração dos “meios” chega a ser ridícula.

Como você chegou à conclusão de que deveria fazer uma charge mostrando Dilma sendo “fuzilada” pela mídia? Por que ela e não Lula?

Bem, não é a primeira vez que desenho jornais e revistas como canos de armas, ou mesmo câmeras. Há anos que a mídia vem se comportando assim. Sobre o Lula, por mais importante que seja, ele não é mais o chefe do Poder Executivo. A Dilma é e existe uma guerra entre o capital e seus braços de imprensa, entre outros, contra a esquerda. Mas é também uma guerra contra o estado. Dinheiro, o graúdo, não precisa de estado. Mas ele precisa de poder.

Vi agora que você fez outra charge envolvendo também o ex-presidente Lula. E você mostra os autores dos “fuzilamentos” midiáticos. Pretende aprofundar neste tema?

As duas charges foram uma sequência, mais ou menos. Sequencias dependem dos acontecimentos do próximo dia de trabalho. Mas gostaria de aprofundar este tema político, se eu tiver oportunidade.

Como você lida com acusações de leitores que acham que você é “governista”?

Não há o que fazer com isso. No Facebook, ou em outras mídias sociais, você pode argumentar e, se xingarem sua mãe, bloquear. Mas na realidade, não se lida com coisas assim.

Tenho montes de críticas ao governo, à Dilma, ao PT, à roubalheira, à esquerda e as faço. Estão lá, desenhadas. Só que também critico estes crápulas e esses cínicos inacreditáveis que querem derrubar a dona.

Assim como critico os juízes em sua investigação seletiva, além da inação, estupidez e a fragmentação da esquerda, da imprensa e por ai vai. E critico mais o que me parece pior, ou mais urgente, ou mais injusto.

Você acredita que falta crítica social no humor?

Sim. E muitas outras coisas.

Faltam críticas aos ataques feitos a Dilma na grande imprensa? O jornal O Dia é um espaço que você tem para se manifestar desta forma?

O que me parece faltar por aí não é pauta, mas sim profundidade. Tudo é excessivamente simplificado e é tudo rasteiro. Imposto é ruim, governo é feio, oposição é boa, PT é ladrão, vai pra Cuba, etc. E as pessoas acham que a minha “função” é bater na Dilma. No meu trabalho no Dia, eu faço o que quero. Tenho total liberdade.

O que você acha do trabalho de cartunistas como a Laerte Coutinho e o Carlos Latuff?

Sou fã de ambos. E eles são muito diferentes. Em comum, o fato de estarem na contramão como eu também estou.

Gosto do Latuff pelo cartunismo militante, pelo desenho magnífico e as ideias fantásticas, além de ter engajamento in loco. Ele vai até lá e vivencia as lutas mesmo. Coragem e talento é uma mistura poderosa, mesmo não concordando com tudo o que ele diz ou desenha.

Já a Laerte… Acho que ninguém faz humor mais profundo, atualmente. Desenhado, pelo menos. Laerte é uma pensadora, uma filósofa, uma militante da civilização. É uma humanista. Como disse um colega cartunista, “Laerte é a melhor de todos nós”.  E que desenho! Admiro um monte de colegas, mas ela é o máximo.

Você já trabalhou no Globo. Os cartuns por lá andam muito patronais?

Se  for seguindo a orientação da chefia, definitivamente não. O Chico [Caruso] só desenha o que pensa, mesmo. Ele apenas tem visões muito diferentes das minhas. Eventualmente discutimos nossos pontos de vista, mas somos amigos. Eu toco saxofone no espetáculo dele e do irmão chamado “30 anos de Democracia”. Sei muito bem, e por experiência própria, que ele só faz o que quer.

O trabalho dos dois é muito diferente?

O próprio Chico diz que o Paulo gosta de planos amplos, enquanto ele prefere os closes nas pessoas. Acho que ambos são desenhistas fenomenais. Os dois pensam diferente, tem posições políticas diferentes e usam linguagens diferentes.

O Paulo, por exemplo, adora fazer quadrinhos, desenhos sequenciais. O Chico prefere conduzir tudo em um único fio, e exagera o necessário pra atrair sua atenção.

Como você enxerga as charges recentes do Charlie Hebdo com o menino sírio morto na praia? Humor tem limite?

Não acho que o Charlie Hebdo ironizou o menino sírio. Acho que eles fizeram charges sobre a situação que trazem um ponto ou dois à tona, sem trocadilho. Aliás, essa pergunta tem um quê de pauta pronta. O humor não deveria ter nenhum tipo de limite e não tem, na verdade. Se você proibir qualquer tipo de piada, ela vai ser escrita ou desenhada nos banheiros públicos. Só que alguns tipos de piada simplesmente vão perder, e estão perdendo, a graça. Piadas racistas, homofóbicas, sexistas e que tais vão ser extintas por educação, pressão social, civilização, enfim.