Uma entrevista com o mais célebre Primeiro Ministro inglês desde Winston Churchill

“Apesar das mudanças inevitáveis na época e na tecnologia, o modo de conquistar e manter o poder político é basicamente o mesmo.”
É uma tradição do DCM entrevistar personalidades mortas. O entrevistado de hoje é Francis Urquhart, primeiro ministro britânico na série House of Cards. Não a cópia americana, sensação mundial hoje. Mas a série original inglesa, simplesmente imbatível.
Olá, Francis. É uma surpresa tê-lo aqui conosco.
Você, nesse momento,  pode estar se perguntando; “Francis, como é possível que você esteja falando comigo agora? Você foi assassinado!” Seria um ponto de vista perfeitamente sensato, mas ouso dizer que você deixou de mencionar o aspecto mais importante: o profundo luto em que a nação mergulhou ao perder um estadista gigantesco, que a conduziu com genialidade, argúcia e lucidez em direção à paz e à prosperidade. Suponho que seja necessário perdoar sua pequena indiscrição. E quanto a sua questão… You might very well think that. I couldn’t possibly comment.
Sabendo que essa pergunta seria extremamente indiscreta (assim como, ouso dizer, Patrick Woolton reconheceria um bordel em Marrakech), eu não pretendia consumá-la. De qualquer modo, devo agradecê-lo por tê-la adivinhado e respondido. Agora que tocou no assunto, devo perguntar como você se sentiu diante do final de seu governo A morte o separou de seu querido cargo de Primeiro Ministro. Como foi isso para você?
A dor que enfrentei não se compara a dor que a Grã-Bretanha enfrentou ao perder seu mais célebre PM desde Winston Churchill. Quanto a mim, eu sempre soube que nada dura para sempre. Até mesmo o reinado mais próspero, longo e resplandescente vai terminar algum dia.
Francis, vários anos se passaram e você, com sua afabilidade diabólica, não foi esquecido. Há inclusive uma página dedicada a você no Facebook. Embora não seja facilmente suscetível a elogios, é de imaginar que fique satisfeito com todas essas homenagens.
Como é magnífico notar que ainda há homens e mulheres inteligentes que anseiam pelo retorno dos princípios básicos de uma administração pública competente! Apesar das mudanças inevitáveis na época e na tecnologia, o modo de conquistar e manter o poder político é sempre o mesmo.
Vamos, então, retornar ao seu passado político e recordar o caminho que você trilhou desde a época em que era chief whip do Partido Conservador até tornar-se Primeiro Ministro. Você trabalhava para Henry Collingridge que, antes de assumir o Ministério (com sua ajuda e influência), lhe fez uma promessa que não cumpriu. Não quero atormentá-lo com questões sensíveis, Francis, mas dizem por aí que você foi o principal culpado pelo declínio e pela renúncia de Collingridge…
A necessidade mais profunda de Collingridge era de que as pessoas gostassem dele. Uma característica admirável… Em um cocker spaniel ou em uma puta. E eu lhe fiz um grande favor, embora ele não saiba disso. Collingridge estava preso em uma armadilha, gritando por ajuda desde o momento em que assumiu a liderança do partido. Tudo o que fiz foi salvar aquele infeliz de sua agonia. “Depois da febre espasmódica da vida, ele dorme um bom sono”. Não superestime essa questão, minha cara, nem a considere particularmente sensível; em toda a minha vida, jamais me deixei envolver por pequenas suscetibilidades. O primeiro passo rumo ao sucesso é jamais sentir remorso. Se por acaso identificar em você o tormento da piedade, esmague-o imediatamente. Triture-o com seu calcanhar, tal como faria com um charuto desgastado. Porque a queda de Henry Collinridge e sua renúncia… Foram apenas o começo.
Você também foi o responsável pelo assassinato de seu colega Roger O’Neill…
Não penso dessa maneira. Foi um ato de misericórdia. De verdade. Você conhece a situação em que aquele homem se encontrava; a cocaína, a lascívia… Ele não tinha para onde ir. Nosso pobre amigo Roger já havia sofrido o suficiente, e eu o ajudei a encontrar a paz. A partir de sua morte, todos pudemos nos lembrar dele como era no início: Um jovem ardente com um sorriso legendário, corajoso, fabulosamente sardônico…
E quanto a Mattie Storin e Sarah Harding? Ambas as suas amantes morreram em circunstâncias bastante suspeitas, Francis…
É difícil saber em quem confiar nos dias de hoje… O amor engendra a confiança? Não necessariamente. E todos gostaríamos de ter algumas certezas, não é mesmo? Ouvir a palavra “sempre” e acreditar que está sendo usada com sinceridade. Mattie confiava completamente em mim, eu sei disso. E eu? Eu confiava completamente nela… Confiava em sua completa humanidade.
E Sarah?
Sarah estava se tornando perigosa. Eu a contratei e a seduzi esperando conquistar uma escrava; e, com o tempo, percebi que eu estive prestes a ser escravizado por ela.
Então sua consciência jamais o atormentou?
Bem, o que quer que eu diga? A Grã-Bretanha precisava ser governada, e todo mundo sabe que ninguém poderia fazê-lo melhor do que eu. Os fins justificam os meios, não é mesmo? Quando você se decide por determinado final, deve controlar os meios a fim de atingi-lo. Essas coisas acontecem em todos os lugares e, acredite em mim, sempre coloquei o bem da nação em primeiro lugar.
Um de seus maiores inimigos foi o próprio rei da Inglaterra. Ele abdicou graças a você, e algumas pessoas dizem que sua intenção era destruir a monarquia. É isso mesmo?
Acabar com a monarquia? Não! Essa ideia é abominável… Mas forçar a abdicação de um monarca em particular, isso já havia sido feito antes… E o bem da nação exigiu tal coisa de mim. O rei e eu poderíamos ter gozado de um relacionamento próspero caso ele pensasse menos. A opinião dos reis é completamente dispensável e, portanto, é conveniente que pensem o mínimo possível. Te-lo enviado para a Universidade foi um grande erro, pois isso incentivou sua relação com todos aqueles arquitetos, filósofos e ativistas negros… Argh. De resto, aquelas visitas ao Palácio eram simplesmente adoráveis. Um copo de xerez, uma breve esgrima verbal e uma estimulante dose de ódio e desprezo. Simplesmente revigorante.
Sua esposa, Elizabeth Urquhart, apoiou integralmente seus relacionamentos extraconjugais com  Mattie Storin e Sarah Harding. Elizabeth esteve ao seu lado o tempo inteiro… Até deixar de estar. Qual a essência de seu casamento?
Necessidade. Um político precisa de uma esposa – e, infelizmente, de outras pessoas também.
Que outras pessoas?
Um homem de estado precisa de ajudantes, pequenos elfos, duendes e fadas que realizam todas as suas vontades… Até mesmo peões involuntários que desconhecem a própria utilidade.
Francis, ouvi dizer que há, nos Estados Unidos, um camarada… Underwood ou qualquer coisa do tipo… Bem, você deve saber quem é. Digamos que Mr. Underwood não é tão ameaçador quanto você, mas possui outras qualidades. Você deve saber de quem se trata. Imagino que tenha uma opinião formada sobre ele…
Que observação singular, a sua. Imponente, certamente. Ou quem sabe magistral. Mas eu nunca, de maneira alguma, pensaria em mim mesmo como ameaçador. É uma palavra lamentavelmente vulgar. Há muitos pecados no mundo, mas o único imperdoável é a vulgaridade. E quanto àquele tal, qual o nome mesmo?, Mr. Underwood… Bem, é sempre aprazível ter um admirador. A imitação é uma forma excepcional de lisonja, e nossos primos americanos sempre se esforçaram tanto.
Camila Nogueira

Aos 19 anos, Camila Nogueira estuda Letras na USP. Já aos 10 anos, constatou que seus maiores interesses na vida consistiam em sua família, em cerejas e em Machado de Assis. Em uma etapa posterior, adicionou à sua lista ópera italiana e artistas coreanos.

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