POR RENAN ANTUNES DE OLIVEIRA, de Santa Catarina
O TRF4 tomou uma decisão tchutchuca em favor da poderosa Vale, na quinta-feira 4: zerou nove anos de processos contra a Indústria de Fosfatados Catarinense (IFC), perdoou seus crimes ambientais e abriu caminho para a devastação de 300 hectares de Mata Atlântica.
A Vale planeja erguer na zona rural da cidadezinha de Anitápolis o combo mineradora de fosfato + fábrica de ácido sulfúrico, no santuário ecológico da Serra do Tabuleiro, na Grande Florianópolis, em Santa Catarina.
Nove cidades da região estão começando a se mobilizar pelo perigo real: com seu histórico recente de desastres, a Vale insiste em construir acima delas duas barragens no rio Pinheiros, de 85 metros de altura cada, para conter rejeitos do ácido.
A IFC foi bolada ainda na ditadura militar, para aproveitar as vastas reservas de fosfato da região, o produto serve para fertilizantes.
O empreendimento passou de mão em mão entre multinacionais por décadas. Saiu do papel no início dos anos 2000, por obra da Bunge, associada com uma estatal norueguesa.
Ambas cederam a operação para a Vale em 2015.
Especulações do mercado indicam que a Vale pode repassar o negócio para a americana Mosaic, terceira maior do ramo de fertilizantes.
O projeto sempre enfrentou oposição de ambientalistas da ong Montanha Viva.
O empreendimento foi freado pela Justiça em 2009, ainda na fase Bunge, por decisão da Vara Federal Ambiental de Florianópolis, atendendo uma ação popular movida pela ong.
No processo, a Polícia Federal constatou fraudes no relatório de impacto ambiental, desde desvios no rio Pinheiros até derrubada de mata nativa, o que é proibido por lei.
Numa manobra malandra, antes mesmo da decisão judicial da primeira instância, a IFC conseguiu derrubar araucárias nativas para limpar o terreno, usando a técnica do anelamento.
Isto é, descascar parte da árvore, próximo do pé, para cortar o suprimento de seiva e fazê-la cair de forma discreta, sem precisar usar as escandalosas motosserras.
Técnicos da Unisul e da UFSC produziram um relatório independente e crítico sobre o projeto, apontando riscos aos mananciais da região.
Por seis anos a Montanha Viva manteve a luta na Vara Ambiental, num processo que já tinha 15 mil páginas, quando a IFC mudou a estratégia: recorreu à Justiça desistindo de enfrentar as acusações.
A ong insistiu no processo, tentando obter uma decisão judicial que proibisse definitivamente a instalação da IFC – com a autoridade de quem botou pra correr do litoral catarinense o empresário Eike Batista, com aquela sua ideia de um porto gigante em Floripa.
Em 2015, o processo subiu então para o TRF4, mundialmente conhecido pela celeridade de seus julgamentos. Ficou lá quatro anos, até a decisão de quinta-feira
No processo, o MPF buscava “… anulação do licenciamento realizado pela FATMA (fundação ambiental de SC) … para que no futuro não logre a empresa ré (Bunge/noruegueses/ Vale ou sucessores) obter maliciosamente outras licenças mediante os mesmos insuficientes estudos em um novo processo de licenciamento”.
Segundo o MPF “a IFC não desistiu do direito de lavra junto ao DNPM, demonstrando que a pretensão de instalar a fosfateira persiste, sendo que tal direito de lavra já teria sido (na ocasião do parecer) negociado com Vale, responsável pelas tragédias em Minas Gerais”.
Note-se: a IFC desistiu da ação judicial, mas não do projeto.
O objetivo da manobra: desistindo do processo, tentou derrubar todas as acusações de crimes ambientais e a investigação da Polícia Federal sobre os relatórios frios de impacto ambiental.
A decisão do TRF4 permite a retomada do empreendimento da estaca zero.
Hoje a IFC é composta apenas de alguns barracões nos grotões de Anitápolis, base de seus estudos de viabilidade.
A Montanha Viva anunciou domingo em Floripa que vai recorrer ao STJ para barrar definitivamente a construção da IFC, pela Vale ou por quem venha a comprar os direitos das jazidas de fosfato.