A camiseta da Febem e a eterna glamourização da miséria pelo “mundo fashion”. Por Sacramento

Atualizado em 30 de janeiro de 2018 às 7:43
Camiseta da Febem “de grife”

Das frivolidades do munda da moda, talvez a mais sem-vergonha seja a mania de usar desgraças sociais como fonte da inspiração.

A última grife a cometer esse deslize foi “A Mulher do Padre”, com sua camiseta da antiga Febem, atual Fundação Casa.

A roupa, com a marca da instituição destinada a abrigar adolescentes infratores, provocou polêmica nas redes sociais depois que internautas compartilharam fotos da camiseta, vendida a 96 reais.

Diante dos protestos, com referências ao histórico de maus-tratos e rebeliões na antiga Febem e na atual Fundação Casa, assim como em unidades similares em outros estados, a marca AMP retirou a peça das lojas e postou um pedido de desculpas no Facebook.

“A AMP vem se desculpar pela inclusão de uma camiseta com logo da extinta Febem na sua linha LOST&FOUND. A LOST&FOUND é uma marca de camisetas de uniformes de companhias aéreas, instituições, concertos musicais e muitas outras que remetem a um passado distante. Consideramos que foi um erro a colocação de uma marca como a da Febem nessa linha, retiramos as camisetas imediatamente das lojas, e pedimos desculpas a todos.”

O “passado distante” citado na nota se refere ao tempo, mas no caso da camisa da Febem há também distâncias sociais, pois o perfil dos usuários da grife é bem diferente dos jovens que frequentariam a instituição homenageada.

Segundo uma pesquisa do Ipea divulgada em 2015, dos adolescentes que cumpriam pena na época 66% eram de famílias pobres, 51% não frequentavam escola na época do delito e 60% eram negros.

São dados que sugerem um abismo entre o mundo dos criadores e consumidores da AMP e a realidade social dos adolescentes em conflito com a lei.

Sem histórias sofridas de familiares ou amigos próximos passadas nas unidades de internação, fica fácil criar ou usar uma peça com o nome “Febem” estampado, pois aquelas cinco letras não evocam sentimentos de dor, exclusão e estigma.

Muito pelo contrário.

Palavras como “febem”, “favela” (estampada em uma camiseta da Osklen, sobre a qual escrevi aqui) ou figuras de escravas negras (com os usados em roupas da Maria Filó, também assunto de um texto meu) são glamourizadas e utilizadas para vender roupas com pretenso espírito transgressor.

Ao utilizá-las, a principal mensagem que estas grifes passam é que são apenas elementos da cultura do país, e não símbolos de problemas que precisam ser resolvidos ou que deixaram marcas dolorosas.

Questões sociais como o envolvimento de crianças e adolescentes com o crime ou a existência de favelas somente serão solucionadas por meio de políticas públicas robustas.

Dependem, também, do olhar sensível da população para esses problemas, porque é ela quem elege os políticos que decidirão as prioridades a serem resolvidas.

Deixar de romantizar a pobreza, a criminalidade, a escravidão negra e outras mazelas faz parte deste exercício de sensibilização. Quem sabe um dia esta prática vire tendência no mundo da moda.