A galera do site El Hombre não perdeu a Pedalada Pelada

Atualizado em 12 de março de 2013 às 8:34

Um repórter ciclista conta o que rolou na manifestação de São Paulo.

Pedalada Pelada 1
A chuva de sábado não intimidou o nosso valente editor Thiago Sievers

O clima não era propício – chovia torrencialmente quando Alexandre me ligou para avisar que estava ilhado perto da minha casa, onde combinamos de nos encontrar para ir até a Praça do Ciclista, na Avenida Paulista. Este local serviria de concentração e preparação (às 18 horas) para o início da Pedalada Pelada (às 20 horas) – ou World Naked Bike Ride -, evento mundial que teve, nesse sábado, sua sexta edição em São Paulo.

Alê chegou em casa por volta das 18h30 em situação deplorável. Emprestei uma toalha para o garoto se enxugar e ficamos assistindo Ensaio Sobre a Cegueira na esperança da chuva amenizar um pouco. Quando era por volta de 19h40 isso aconteceu e, depois de prepararmos os equipamentos, debandamos meu lar. Subimos a Teodoro Sampaio (pela primeira vez na noite), pegamos a Dr. Arnaldo, cruzamos a Consolação e, pronto, chegamos ao local destinado. A agitação era grande às 20h20. Contando por cima pensamos ter cerca de 200 ciclistas por ali. Muitos davam voltas pela Praça enquanto outros conversavam ao som de gritos de protestos. Por falar nisso, foram três os principais gritos da noite: “trânsito obsceno”, “menos carros, mais bicicletas” e “você aí parado, vem pedalar pelado”.

Logo que adentramos a muvuca, percebemos a grande movimentação das câmeras fotográficas de jornalistas registrando os poucos corpos nus e muitos seminus. Ainda tinham aqueles que preferiram protestar vestidos. Se é um problema? Não. O lema da manifestação é: as bare as you dare (algo como “tão nu quanto você ousar”). Durante todo o evento pude contar uma mulher totalmente nua, algumas com os seios amostra e um pouco mais de uma dezena de homens ousando por completo em uma noite em que a chuva dava um clima de inverno. Como chegamos em cima da hora, tivemos tempo apenas de nos despir (parcialmente) e mais nada – a “peladada” havia começado.

Percorremos quase toda a Paulista acompanhados de motos policiais. Nenhuma ocorrência, nenhum desrespeito, nenhum bate boca. Teve um momento em que um ciclista parou a bicicleta e tirou a cueca na frente de dois PM´s. Isso foi bem surreal, ainda mais ao observar a aceitação dos homens da lei. A pedalada foi prosseguindo com suas centenas de manifestantes chamando a atenção por onde passava. Dos dois lados da avenida o povo parava para olhar, apontar, rir, tirar foto, filmar, cochichar. No final da Paulista viramos a direita e, nesse momento, eu não notei mais a companhia da polícia. Por que eles nos seguiram apenas por esse pequeno trajeto? Sinceramente eu não sei. Dali para a frente seria nós e nós.

Aliás, conversando com um rapaz que participa da pedalada pelada desde sua segunda edição, em 2009, fiquei sabendo que não há um organizador do evento – é tudo feito por aqueles que participam dele. “Não há nada no script”, ele me revelou. Nem o itinerário é planejado. Percebi isso logo que reparei as pessoas gritando “para direita, agora para a direita” ou “Rebouças! Pega a Rebouças” enquanto o outro avisava “Não! Rua dos Pinheiros, Rua dos Pinheiros”. A única certeza, pelo que pude perceber, é que passaríamos pela Vila Madalena.

Mas antes cruzamos a Brigadeiro Luís Antonio, pegamos a Nove de Julho e desembocamos na Faria Lima. O clima era de excitação, a chuva (que já havia aumentado assim que partimos, eu e Alê, para a empreitada) não dava trégua e, apesar de ser um protesto, não puder deixar de notar traços de diversão nos rostos e nos brados de cada um dos participantes. Com os corpos pintados (“agora nus vê?”, “frágil”, “eu sou de carne e osso”, “obsceno é o trânsito”, eram algumas das frases) passávamos a frente do shopping Iguatemi quando decidiram que daríamos uma volta pelo estacionamento externo do lugar.

As ruas da Vila Madalena ficaram tomadas pelos ciclistas
As ruas da Vila Madalena ficaram tomadas pelos ciclistas

E assim foi – atravessamos a avenida e entramos na rua estreita.  As bicicletas se apertavam no asfalto enquanto as pessoas saiam para a porta do shopping para observar os ciclistas que diziam, “mais peladão, menos ostentação”. Elas devem ter achado isso tão surreal quanto eu achei o cara se despindo na frente dos PM´s. Saímos do estacionamento e continuamos na Faria Lima. Nesse momento a caravana tomara a avenida por completo e prosseguia rumo à Vila Madalena. Foi nesse bairro que o ápice da manifestação aconteceu.

Pegamos a Rua dos Pinheiros, Mourato Coelho e paramos no cruzamento com a Aspicuelta – local que abriga um grande bar em cada uma de suas quatro esquinas. Como de costume, a rua estava bem agitada, com música e pessoas transbordando os limites dos recintos. E, como de costume naquela noite, todos os olhares se voltaram para os ciclistas nus e seminus. Paramos no cruzamento e por ali ficamos protestando. Nesse momento, eu deixei minha bike de lado e peguei a câmera do Alê para filmar um pouco. Como a chuva estava bem forte e o equipamento não era a prova d’água, me escondi embaixo do toldo de um dos bares. Logo percebi onde tinha me metido. Ao meu lado tinha um grupo de mulheres bêbadas e eu de cueca. Comecei a filmar com naturalidade quando elas berram, “o que é isso!”.

Nesse instante, uma delas, a mais ousada, me toca delicadamente – no braço, nas costas, na barriga. Eu pensei que ela estava apenas tirando onde e logo ia parar, por isso continuei filmando. Aos poucos a delicadeza foi sumindo e ela começou a ousar mais. De repente, mais rude do que um ogro, ela puxa a minha cueca por traz e, eu não vi, mas tenho certeza que deixou meu traseiro amostra. Eu achava que ela fosse soltar logo, mas não soltou – pelo contrário, puxou cada vez mais. Ela fez isso umas três vezes quando eu decidi ir para outra esquina, afinal estava ali a trabalho. Para evitar qualquer problema eu nem olhei para a cara da moça, então nem adianta perguntar – eu desconheço seus dotes físicos (ok, de relance percebi um certo charme). Do outro lado, bati algumas fotos e montei novamente na magrela.

Depois do protesto no cruzamento Aspicuelta x Mourato Coelho, prosseguimos na Vila Madalena. Todas as pessoas em todos os bares – sem exceção – pararam o que estavam fazendo para nos ver passar. Parece mesmo que a falta de roupa chama atenção. Nesse momento o frio estava insuportável por conta das paradas que fizemos. Estávamos sedentos por uma boa subida para aquecermos o corpo – e ela veio com a Teodoro Sampaio. Subimos então a rua (eu e o Alê pela segunda vez na noite) e encaramos mais uma vez a Dr. Arnaldo. A chuva, nessa altura, estava extremamente forte. Decidi mudar o foco conversando com um parceiro de pedal. Ele me contou que até o ano retrasado, quando o evento era realizado à luz do sol, a repreensão pela falta de roupa por conta da polícia era grande. Foi quando passou-se a optar pelo horário noturno que a manifestação ganhou mais liberdade para acontecer. Pelo que eu percebi, a luz do sol não fez a menor diferença quanto ao barulho que a pedalada provocou – afinal, quando alguém está pelado as pessoas percebem rapidinho em qualquer condições.

Com mais de uma hora e meia de bicicletada, boa parte do grupo já havia debandado. O último roteiro foi passar pela Rua Augusta. O Alê, alegando espasmos de tanto frio, decidiu puxar o bonde nesse momento – eu, batendo os dentes como nunca na vida, optei por prosseguir. Descemos a rua underground sem acontecimentos dignos de menção. Só sei que perto do final dela quando alguém gritou, “vamos subir”, eu, assim como quase todo mundo, acompanhei o coro imediatamente. Tenho certeza que não era o único que estava pensando no banho quente.

A Pedalada Pelada terminou no ponto que começou – a Praça do Ciclista. Como o Alê já tinha ido embora com o equipamento, eu pedi a uma moça que tirasse uma foto minha com meu celular para registrar o momento. Se, por conta da qualidade terrível, o editor-chefe deixar passar, provavelmente ela estará aqui embaixo. Antes de ir embora ainda ouvi um grupo de três pessoas perguntarem se alguém também ia até o ABC. Foi então que eu concordei plenamente com o amigo que, subindo a Teodoro totalmente despido, me disse: “aqui só tem guerreiro”.

Pedalada Pelada 2
Sua intenção era pedalar nu, mas o frio o deixou receoso, se é que você entende

Para saber mais sobre o evento, visite essa página do site oficial, que traz as dúvidas mais frequentes