A censura e os descaminhos de um país que teima em deixar de existir. Por Marcos Nunes

Atualizado em 9 de janeiro de 2020 às 11:33
Porta dos Fundos faz piada com padres e pastores que pregam boicote ao especial de Natal. Foto: Reprodução/YouTube

Um juiz de comarca achou por bem proibir a exibição daqui em diante do tal especial de natal do coletivo Porta dos Fundos. Medida, aliás, inócua: todo mundo que queria ver já viu; os que não queriam, também.

Por fim, essa proibição deverá ser cassada, e outros ainda verão, além do que, querendo, é fácil baixar na Internet e ver sem qualquer interdição.

Se trata da volta da censura, da revivescência da estupidez da “moral e bons-costumes” (um antigo poeta carioca há muito protestou contra os guardiões da moral dizendo que eles que lá ficassem com a moral deles, e nós ficaremos com nossos maus costumes), e toda a mediocridade que o atual desgoverno autoritário, ditatorial, assassino, perseguidor, torturador, mentecapto e corrupto, repleto de vigaristas e mitômanos, provê a sua claque de evanjegues e viúvas da ditadura.

Desde Temer, aliás, o projeto da nova ditadura civil-militar-jurídico-midiática vem bem, obrigado, a cada dia testando os limites do despotismo, e a população aceitando, imune a qualquer protesto de oposicionistas (que existem, mas não aparecem em lugar nenhum; não, a revolução não será televisionada, não tomada as redes sociais e colocará a imaginação no poder). Começam com uma reforminha aqui, outra ali, e depois escancaram. Logo mais, adeus por completo a saúde pública, a educação pública, o direito à aposentadoria e, enquanto isso, Judiciário, Legislativo e Executivo são contemplados com generosos aumentos de salários e benefícios, garantindo o mesmo para seus garantidores militares.

O que me espanta é que, para além das piadinhas sem graça e algumas poucas com alguma graça, o filminho reconhece, inclusive, a divindade do personagem, a “luta do bem contra o mal”, ainda que o bem esteja dentro do mal e vice-versa.

Se eu fizesse um filme sobre o personagem (isso de chamar “a” personagem quando é gênero masculino é um saco):

1) negaria sua divindade;
2) negaria que ele tivesse dito 10% do que foi a ele atribuído;
3) o colocaria como um oportunista;
4) não reconheceria sua crucificação;
5) chamaria todos seus seguidores de imbecis ou igualmente oportunistas;
6) No final, outro personagem diria que tomou conhecimento da história mas não achou concretude histórica nela, vaticinando que os boatos cessariam e “jesus” não seria lembrado dez anos depois, ou o seria eternamente, se houvesse interesse oficial na religião para apascentar e atemorizar a plebe ignara.

Trata-se, a religião, de um subproduto cultural, e seu discurso se insere na guerra de narrativas. Católicos e crentes em geral podem tratar o personagem de uma maneira, eu posso tratar de outra, como lenda e empulhação, e eles tem que respeitar isso a bem das liberdades civis. Isso de impor respeito às religiões não faz qualquer sentido, só para quem cultiva religiões. O que não se pode fazer (e, aliás, os crentes e católicos estão fazendo) é perseguir fiéis, queimar templos, livros, imagens e todas as merdas que cercam todas as religiões.

Nada disso um filme faz, um livro ou uma música.

Aí vem o idiota e diz: não fazem mas estimulam.

Querido idiota: se eu não reconheço seu deus, eu não o persigo nem a seus fiéis; seu deus, porque não posso perder tempo querendo destruir o que não existe; você, porque reconheço seu pleno direito de ser idiota e temente a seu deus imaginário.

E me cite um filme de caráter ateísta, um livro, uma música, uma peça de teatro, que tenha produzida uma massa de “ateus intolerantes”, que queimaram “livros sagrados”, ou fiéis dementes? Todos os que fizeram isso defenderam ideologias e religiões, não o ceticismo, o juízo, a razão.

Só que, jamais, jamais, entenderei: como alguém se dispõe a adorar um deus criado pelo homem, julgando que ele é como um homem, que precisa ser adorado, sob pena de se contrapor àquele que não o adora? Um deus criado à imagem e semelhança de si mesmo não necessitaria de adoração humana. Ou nós, os humanos, teríamos satisfação de ser adorados por vermes?

Como um “deus único”, onisciente, onipresente e onipotente, se daria ao trabalho de ser tão mesquinho, de perseguir quem dele duvida ou execra, como tal deus, do alto de sua imensa sabedoria, teria a estupidez de tratar sua criação como serva de si mesmo, exigindo obediência, submissão, escravidão mesmo, sempre sob a ameaça do fogo e das dores eternas de um inferno posto, por ele, sob administração de seu gêmeo, o demônio?

Vejo as pessoas desse país aplaudindo tanta torpeza e indignidade, tanta ignorância e prepotência, que não vislumbro sentido sequer na minha indignação, face ao menos 30% de completos zumbis que querem se alimentar dos cérebros dos demais, e conseguiram impingir a todos um poder de governo, com o auxílio de pouca mais de metade dos inseguros de possuir razão e talvez pensar que o melhor seria garantir as liberdades civis e deixar que os conflitos fossem julgados em um judiciário tutelado pela ordem jurídica e não pelos falsos justiceiros da moral e dos bons costumes, que, por ora, os juízes agora se põe como tais.

Não esperem de mim tolerância com os intolerantes: há muito desprezo essa gente e não as aceito em minha companhia, sequer proximidade. Quem apoia esses excrementos merda também é. E merda desce pela descarga.