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A ideologia da cloroquina ou como nascem as narrativas de extrema direita. Por Wilson Gomes

Publicado originalmente no perfil do autor no Facebook

POR WILSON GOMES, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Dei uma olhada no gado esta manhã. Todos se sentindo a última linha de defesa da hidroxicloroquina contra os ataques mentirosos, mal-intencionados e corruptos (sic) por parte dos comunistas, da OMS, da “extrema mídia” e dos isentões. É exatamente assim que nascem as grandes mitologias da extrema-direita, meus amigos.

Retoricamente, eles não podem simplesmente sustentar uma posição. Há uma lista de coisas que precisam acompanhar as suas posições:

1º) Teorizar um complô, envolvendo inimigos muito poderosos e inteiramente mancomunados em um plano secreto e maligno. “Somos um bastião de virtuosos cloroquinófilos cercados de maléficos cloroquinófobos por todos os lados”.

2º) Construir um inimigo. No mundo real, não há qualquer pessoa contra a hidroxicloroquina, apenas um demanda de prudência científica, contra a precipitação e a favor de mais testes. “Tomara que dê certo, mas ainda não é prudente dizer à população para correr à cloroquina”. No mundo da narrativa, “os cloroquinófobos (ou os “negacionistas da cloroquina” como disse Cochinchino) estão escondendo as pessoas que ficaram curadas do covid-19 tomando a droga porque querem que morram muitos para destruir o governo Bolsonaro”

3º) Que os envolvidos na tramoia sejam principalmente os “inimigos preferidos”: a esquerda, porque são de direita; os liberais/progressistas, porque são conservadores; a OMS, a ONU etc., porque são antiglobalistas; o jornalismo de referência, porque alérgicos a dados e fatos; os cientistas e professores, porque o anti-intelectualismo aí predomina; a elite, porque são populistas.

4º) Tratar a sua hipótese, por mais disparatada que seja, como se fosse a Pedra Filosofal, o Último Segredo de Fátima, o Oráculo de Apolo, o Santo Graal, que permitirá aos conhecedores do segredo vencer os inimigos. “Se tivessem usado a cloroquina não teríamos chegado a este ponto, precisamos de um ministro que defenda a cloroquina”.

5º) Transformar a defesa da tese em uma questão identitária, existencial e urgente. “Se não defendermos a hidroxicloroquina, o mundo perecerá”.

Assim nasceu a Saga da Mamadeira de Piroca, as Lendas sobre Jean Wyllys, a Épica de Lula e os seus filhos. Mas também a ideia de que somos uma ilha minoritária de heterossexuais cercada de ameaçadores homossexuais por todos os lados. Sabem o que é pior? Funciona.

Cloroquina Acima de Tudo, Teorias da Conspiração Acima de Todos.

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