A maior virtude de Breaking Bad é mostrar a realidade americana

Quer ver como se vive nos Estados Unidos destes dias? Veja a série.

Jesse Pinkman (Aaron Paul) e Walter White (Bryan Cranston)

Atualmente em sua quinta temporada, afirmo com tranquilidade que Breaking Bad é uma das melhores séries que já assisti. Não é de se espantar que seja tão premiada e consagrada.

É, entre outras coisas, um bom retrato da sociedade americana. Quanto a esse aspecto em particular, li um artigo interessante na revista The Nation. O título era “Breaking Bad frustrou o sonho americano.” Por mais que Max Rivin-Nadler, o jornalista que o escreveu, tenha recebido críticas enraivecidas entre os comentários, acho que essa afirmação faz bastante sentido.

Walter White é um químico brilhante – um gênio, melhor dizendo. Ainda no início da série, Walter possui dois empregos. É professor de química em uma escola e trabalha em um lava rápido. Tem um filho com paralisia cerebral e uma bela esposa que engravida acidentalmente – e é nessa situação que descobre estar com câncer no pulmão. Walter não tem dinheiro para pagar o tratamento, e reluta em aceitar a ajuda de amigos ricos. Ao mesmo tempo, sente que estando perto da morte (possivelmente), seu dever é “prover para sua família”; ou seja, não partir deixando seus ente queridos sem nada.

Começamos por aí. Há uma falha visível no sistema de saúde americano, até parecido com o do nosso país. Afinal das contas, um plano de saúde deve ser capaz de cobrir o tratamento de seu paciente. E, como certamente o de muitas outras pessoas, o plano de Walter não é. Isso já nos faz pensar que é degradante ter que optar entre o tratamento para uma doença e o bem estar de sua família. “As pessoas, muitas vezes, tentam lidar com isso legalmente”, afirmou Max Rivin-Nadler, “mas o resultado costuma ser uma dívida enorme”. Walter não desejava arriscar partir deixando sua família endividada.

“A série registra o declínio gelado de Walter ao mundo de assassinatos na fronteira, cartéis de drogas, lavagem de dinheiro e desequilíbrio faustiano.”

Walter participa de uma apreensão policial com seu cunhado, Hank, que trabalha na DEA, que é o Departamento de Narcóticos, e reencontra um jovem para quem deu aula há alguns anos, Jesse Pinkman. Jesse fabrica, com um sócio, metanfetamina, e a vende para um traficante. Walter percebe que esse é um modo aparentemente fácil de ganhar dinheiro e, quando o parceiro de Jesse é preso, se oferece para tomar o lugar dele.

Walter acaba fazendo uma grande dupla com Jesse (o ator americano Aaron Paul em uma atuação ótima), seu jovem aprendiz, a quem ele manipula, ataca e quase mata. Jesse era um dos personagens mais divertidos durante as primeiras temporadas. Lá pela terceira temporada, no entanto, (SPOILERS) Jesse é obrigado a romper com seu código de moral e matar um homem. A partir de então, fica traumatizado e deixa de ser tão engraçado. (Abaixo, uma compilação de seus momentos hilários.)

Eu não tentaria, de modo algum, justificar as ações – quase todas bastante reprováveis – de Walter, nem as escolhas que o personagem toma. No início do seriado, eu simpatizava com ele. Era um pai e marido amoroso, preocupado com o futuro da família e desejando deixar a mulher e o filho em uma situação estável antes de morrer. Mas, no decorrer do tempo, se torna cada vez mais difícil manter essa simpatia. Quando terminei a primeira parte da quinta e última temporada (a segunda parte começará na metade desse ano), ela já estava quase escassa.

Max Rivin-Nadler justifica o título de seu artigo a partir de uma cena da terceira temporada. Em um flashback, vemos Walter e Skyler, ela grávida do primeiro filho, andando por uma casa que pretendem comprar (a casa na qual vivem até o presente momento e que nós, espectadores, conhecemos bem). Walter comenta da falta de espaço para os muitos filhos que pretende ter. Na cena, ele é um químico de trinta e poucos anos, no começo dos anos 90. “O único caminho é subir”, ele diz para a esposa. “Essa cena é, talvez, a mais cruel da série”, disse Max. “Registra o declínio gelado de Walter rumo ao mundo de assassinatos na fronteira, cartéis de drogas, lavagem de dinheiro e desequilíbrio faustiano, tocando no mais frágil e desesperado ponto do enorme e seco sudoeste americano.”

Breaking Bad é mais que uma série. É a vida como ela é num país que foi se tornando o avesso do sonho que foi tão bem vendido por tanto tempo.

Camila Nogueira

Aos 19 anos, Camila Nogueira estuda Letras na USP. Já aos 10 anos, constatou que seus maiores interesses na vida consistiam em sua família, em cerejas e em Machado de Assis. Em uma etapa posterior, adicionou à sua lista ópera italiana e artistas coreanos.

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