Categories: Memórias

A Thatcher da minha vida

As memórias sentimentais de nosso colunista de seus dias com uma legítima dama de ferro.

Saudade

Durante minha juventude, meus avós tinham duas cadelas.

Brigitte Bardot e Margaret Thatcher.

Brigitte fora batizada numa irônica homenagem devido sua terrível feiura.

Nunca soube, entretanto, o que havia motivado o nome Thatcher para aquela que, imaginem, era filha de Brigitte Bardot no mundo animal.

Preocupadíssimo com o futebol e outros assuntos de monta, nada me interessava na política e sabia vagamente quem era Margaret Thatcher através da televisão. Escapava-me completamente o paralelo feito por meu avô na hora de nomear a “cachorrinha”, como dizia. Mesmo que fosse outra homenagem bem humorada, eu não atinava. Também não sei porque nunca perguntei a ele.

Hoje é possível decifrar a conexão extremamente pertinente ao comparar as jubas volumosas, os focinhos afilados e os semblantes de poucos amigos. De resto, pareciam complementar-se. Se Margaret Thatcher (a humana) estudou ciências químicas, sua equivalente canina parecia uma sobrevivente de algum desastre químico. Havia tufos de pelos em algumas regiões do corpo, enquanto outras eram completamente carecas. E, claro, latia muito e era dada a mordidas. Uma legítima Thatcher, hoje sei.

Lendo as reportagens na data de sua morte, conferindo sua biografia, os vários perfis publicados e mais todas as impressões e análises sobre o período Thatcher (alguns em tom estranhamente confessional, relatados por pessoas mais novas que eu, o que me faz sentir pior ainda – enquanto com 11 ou 12 anos eu perdia meu tempo jogando pelada na rua, algumas crianças já acompanhavam a política internacional de perto) pude aprender um pouco mais sobre a primeira mulher a tornar-se primeira-ministra no Reino Unido.

Atualizando-me só agora por algo que supostamente eu perdera enquanto corria atrás de uma bola, pude saber que naquele período viveu uma mulher determinada, que não fazia muitas concessões, beirando o autoritarismo, cuja ausência de papas na língua invocava atritos. Polêmica, conservadora para uns, inovadora para outros, amada por uns, odiada por outros. Não havia meio termo. Não fugiria de uma guerra mesmo que esta se desse do outro lado do Atlântico. Não deixaria de defender os seus em hipótese alguma.

Ao ler isso tudo penso que, na verdade, não deixei de acompanhar a existência de uma mulher assim naquela época.

Minha avó possuía todos os atributos acima. Foi uma Dama de Ferro muito próxima e inspiradora, que me legou valores dos quais me orgulho.

E se ao retirar-se da vida também já apresentava lapsos de memória e sinais de demência tal qual a Dama de Ferro britânica, pelo menos de minha avó não suspeito que tenha provocado prejuízo a nação nenhuma.

Não perdi nada.

Mauro Donato

Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.

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