Abin espionou políticos, assessores, ambientalistas, caminhoneiros e acadêmicos no governo Bolsonaro

Atualizado em 24 de fevereiro de 2024 às 7:47
Sede da Abin, em Brasília. Foto: reprodução

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitorou uma lista de alvos durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), indicando a espionagem de políticos, assessores parlamentares, ambientalistas, caminhoneiros e acadêmicos, conforme informações do jornal O Globo.

Os registros dessas atividades estão armazenados no sistema israelense FirstMile, utilizado pela Abin de 2019 a 2021, sob o comando de Alexandre Ramagem (PL), agora deputado federal, para rastrear a localização de indivíduos por meio da conexão de seus celulares.

Uma operação de espionagem ocorreu entre junho e julho de 2019, durante a agitação causada pelo perfil anônimo “Pavão Misterioso” no então Twitter, agora X. Essa conta disseminava informações falsas sobre políticos de esquerda, incluindo a alegação não comprovada de um suposto acordo de venda de mandato entre o ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e seu sucessor na Câmara, David Miranda.

Os posts do “Pavão Misterioso” foram amplificados pelo vereador Carlos Bolsonaro, que na época questionou: “Vem mais pavão misterioso por aí?”. Nesse mesmo período, membros da Abin passaram a monitorar Jean Wyllys e David Miranda, opositores do clã Bolsonaro.

Em junho de 2019, foi identificado no sistema da agência um arquivo denominado “pavão.pdf”. Este arquivo continha reproduções de telas de pesquisas realizadas em nome de Wyllys, Miranda e do jornalista Leandro Demori, que trabalhava no site The Intercept, responsável por divulgar mensagens do ex-juiz Sergio Moro, então ministro da Justiça do governo Bolsonaro, e procuradores da Operação Lava-Jato.

No mês seguinte, em 6 de julho de 2019, ocorreram três consultas no FirstMile utilizando celulares vinculados a Wyllys e Miranda, sendo este último casado com Glenn Greenwald, na época jornalista do The Intercept.

A Abin não limitou seu monitoramento apenas a Jean Wyllys. Registros do sistema FirstMile indicam que assessores parlamentares também foram alvo da espionagem.

Alessandra Maria da Costa Aires, vinculada ao gabinete do senador Confúcio Moura (MDB-RO), foi uma das figuras monitoradas. Durante o período de suposta espionagem, o senador criticou Bolsonaro por suas declarações durante a pandemia e votou contra medidas facilitadoras para o porte de armas.

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Ramagem e Bolsonaro. Foto: reprodução

O FirstMile também revelou consultas em celulares de assessores de políticos de direita, como Evandro de Araújo Paula, ligado à deputada federal Bia Kicis (PL-DF). Durante a vigilância em abril e maio de 2020, Paula participou de um acampamento do grupo radical “Os 300 do Brasil” na Esplanada dos Ministérios, lançando fogos de artifício contra o Supremo Tribunal Federal (STF).

O deputado federal bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO) foi outro alvo, com registros de monitoramento em uma região próxima ao Congresso durante a pandemia. Suas publicações com informações falsas sobre a Covid-19 ganharam popularidade entre os apoiadores do ex-capitão. O motivo específico da vigilância não foi detalhado nos registros do sistema da Abin.

Giacomo Romeis Hensel Trento, ex-secretário especial de Relações Governamentais da Casa Civil durante a gestão de Onyx Lorenzoni, também foi monitorado em 2019. Dados do FirstMile indicam 146 consultas em seu número de celular, com localização próxima ao STF.

Os registros revelam ainda o interesse da Abin em acompanhar ambientalistas, como Marcelo José de Lima Dutra e Newton Coelho Monteiro, ligados ao Ibama. Outros alvos incluem Hugo Ferreira Netto Loss, ex-coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama, e a professora Chang Chung Yu Dorea da Universidade de Brasília.

Jornalistas também foram alvos da espionagem, incluindo Leandro Demori, Afonso Mônaco da TV Record, e Pedro César Batista, ativista pró-Palestina. Além disso, caminhoneiros como Wallace Landim e Carlos Alberto Litti Dahmer, dirigente da CNTTL e filiado ao PT, também foram monitorados pela Abin.

Os registros do FirstMile apontam ainda uma operação de monitoramento em Juiz de Fora (MG), apelidada de “Adelito”, associada a um atentado à faca contra Bolsonaro durante as eleições de 2018. O número de celular pesquisado foi vinculado a uma mulher envolvida em ataques a ônibus e casada com um detento ligado a uma facção criminosa paulista.

A investigação da PF destaca o direcionamento político do uso do FirstMile pela Abin, principalmente em setembro e outubro de 2020, meses anteriores às eleições municipais. Foram mais de 35 mil consultas no sistema durante esse período, de um total de mais de 60 mil realizadas ao longo de três anos.

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