O araponga que perseguiu Gabriel Boric. Por Moisés Mendes

Atualizado em 21 de janeiro de 2022 às 12:22

Publicado originalmente no Blog do Moisés Mendes

Imagem: Reprodução
Imagem: Reprodução

O jornalismo investigativo está prestando um serviço ao presidente eleito do Chile, Gabriel Boric. Antes de tomar posse, em 11 de março, Boric já está sabendo que o general Luigi Lopresti, diretor da área de Inteligência dos Carabineros, sabia quase tudo a seu respeito desde o começo da sua militância como líder estudantil.

Boric também já está sabendo que um líder dos estudantes chilenos, com quem ele conviveu de perto, foi cooptado pela polícia nacional e passou a atuar como informante dos Carabineros, no começo dos anos 2010.

São descobertas do jornal online do Ciper (Centro de Investigação Jornalística). O Ciper vem revirando a vida do poder e dos poderosos no Chile.

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Os jornalistas mexeram em arquivos secretos dos Carabineros e chegaram a informações valiosas sobre a atuação de arapongas da corporação, desde 2011, num momento em que os estudantes começaram a afrontar a direita e pedir ensino público em todos os níveis, até a universidade.

Os Carabineros são a polícia militar nacional, nos moldes da que existe na Argentina e na Bolívia. É uma espécie de PM federal fardada, com ação ostensiva. Mas tem um setor que faz investigações e atua como polícia judiciária, como a polícia civil brasileira.

Nas manifestações de rua de 2019, a polícia disparava tiros de bala de borracha no rosto dos jovens. Vazou pelo menos um olho de mais de 400 estudantes. Desde então o uso desse tipo de bala foi proibido no Chile.

Os Carabineros são violentos e incontroláveis. Formam quase um poder paralelo. Ganharam fama na ditadura de Pinochet, por ajudar no golpe e depois caçar inimigos da ditadura, sequestrar, torturar, estuprar e matar.

Forças políticas de esquerda representadas na Constituinte, que está escrevendo a nova Constituição chilena, defendem que os Carabineros deixem de existir.

Pois o Ciper teve acesso a documentos da organização que mostram que Luigi Lopresti era um dos oficiais chefes da arapongagem na perseguição aos estudantes.

Lopresti seguia os líderes estudantis Gabriel Boric, Camila Vallejo e Giorgio Jackson, entre outros, com a ajuda de colegas deles que se bandearam para o lado da polícia.

Sebástian Piñera, o atual presidente, governava o país. Em seu primeiro mandato, Piñera ficou no poder de 2010 a 2014.

Nessa época, grupos de inteligência dos Carabineros contavam com esses informantes infiltrados, entre os quais se destacava um identificado apenas como Davi na série de reportagens “Arquivos Secretos dos Carabineros”, que está sendo publicada pelo Ciper.

Os informantes atuavam na Federação de Estudantes da Universidade do Chile (FECH), a entidade de Boric, na União Nacional Estudantil (UNE) e na Frente de Estudiantes Libertários (FEL).

Líderes dessas entidades dedicaram-se à formação de grupos políticos de resistência que resultaram na criação, em 2018, do partido do presidente eleito, a Convergência Social.

Davi estava entre eles, fazendo jogo duplo. Ele também levava aos Carabineros informações sobre os “encapuzados”, identificando militantes considerados radicais, que sempre escondiam o rosto. Davi dizia à polícia quem era quem nos coletivos estudantis.

É um constrangimento que companheiros de Boric, agora às vésperas da posse, passam a enfrentar. Boric terá de desmontar, dentro dos Carabineros, as estruturas criadas para vigiar, perseguir, atirar e matar os inimigos da direita.

Os documentos a que o Ciper teve acesso mostram ações dos arapongas contra políticos, partidos, diplomatas e sindicalistas, com uma marca em comum: a precariedade das informações, por causa, como suspeita o jornal, da também precária formação dos agentes.

Repete-se no Chile o que aconteceu na Argentina durante o governo de Mauricio Macri, que usou a Agência Federal de Inteligência (AFI) para espionar Cristina Kirchner, políticos peronistas, jornalistas, juízes e sindicalistas.

No Chile, a pergunta incômoda é esta: quem é o Davi que entregou os companheiros aos Carabineros?

No Brasil, ficaremos sabendo um dia quem fez arapongagem no governo de Bolsonaro contra os inimigos do fascismo?

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