Por Vinícius Segalla
Quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) bebeu de um copo de leite durante uma live na última quinta-feira (28), afirmando ser parte de uma campanha do agronegócio pelo aumento do consumo do produto, não tardou para que se apontasse a proximidade do ato com a simbologia utilizada pela direita supremacista dos EUA em relação ao alimento. Os núcleos bolsonaristas reagiram com veemência e sarcasmo, alegando desconhecer quaisquer teorias eugenistas que envolvam leite de vaca. Tais teorias – e também o consumo de leite em público como ato supremacista – porém, existem de fato e já entraram para a cultura política da extrema-direita dos Estados Unidos.
Beber leite puro em público ou em vídeos na internet é um ato da chamada alt-right supremacista norte-americana – ativistas e entidades de extrema-direita de cunho fascista – que passou a ser debatido nos Estados Unidos em 2017. Foi quando teorias pseudocientíficas que ligam o maior consumo histórico do produto na Europa e na América do Norte à “supremacia natural da raça branca” vieram a público através de páginas da extrema-direita na internet. Os supostos estudos também afirmam que somente “pessoas de raça branca” possuem alta tolerância à lactose, estando aptos, portando, a tomar mais leite.
Em fevereiro de 2017, um grupo de neonazistas realizou uma espécie de flashmob bebendo leite direto de galões em frente à câmera de uma ativista de direitos humanos dos Estados Unidos que fazia uma transmissão ao vivo pela internet. Veja abaixo.
Em novembro do mesmo ano, o ativista supremacista Lucian B. Wintrich dava uma palestra quando começou a tomar um copo de leite e foi interrompido com os gritos de “Go home, nazi” (“Vá para casa, nazista”, em tradução livre). Veja.
#UCONN crowd chants "Go home Nazi!" to @lucianwintrich, interrupting his speech. @WTNH #CTnews pic.twitter.com/mw4vAmZnbk
— Mario Boone, Jou. (@MarioBooneTV) November 29, 2017
Pode-se ver, na postagem do Twitter, que um internauta pergunta o motivo do palestrante estar tomando leite. Outro responde que o ato é uma espécie de símbolo entre os supremacistas brancos.
Atualmente, os ativistas deste campo naquele país bebem o leite em reverência ao ato simbólico e também com ironia e piada, como se a imprensa e esquerdistas em geral tivessem acreditado em uma espécie de “pegadinha” que teriam feito, negando ter afirmado seriamente qualquer relação entre o consumo de leite e superioridade branca.
A abordagem jocosa surgiu apenas em 2018, quando cientistas e pesquisadores de universidades dos EUA foram a público via imprensa nacional para apresentar provas do charlatanismo da tese encampada pela alt-right. A partir daí, tudo sempre nunca passou de uma piada. Fato é que o assunto consumiu o tempo de cientistas e instituições para explicar o fenômeno e desmentir as teorias supremacistas, como se pode ver em reportagem do New York Times, de outubro de 2018.
Na última quinta-feira, Jair Bolsonaro bebeu leite junto com ministros em sua live na internet. A explicação oficial é que se trata de uma campanha do empresariado do agronegócio a que ele estava aderindo, para incentivar que as pessoas bebam mais leite.
Horas depois, Allan dos Santos, youtuber bolsonarista investigado na CPMI das Fake News, repetiu o gesto, com direito a “pose para o print”, como ele mesmo definiu, e à frase enigmática “Entendedores entenderão”.
Depois que foi apontada a semelhança entre os atos do presidente e de seu aliado aos dos supremacistas norte-americanos, parlamentares bolsonaristas correram às redes sociais repudiar qualquer ligação que se possa fazer entre uma coisa e outra. Chamaram de fake news, ilação da imprensa esquerdista, “mentira de professora comunista da Unicamp”, parte da campanha difamatória contra o governo e, claro, muita ofensa e xingamento.
A @revistaforum publicou q “especialista” disse q o Presidente Bolsonaro, ao tomar leite numa live, estaria fazendo saudação NAZISTA. Segundo ela, o leite é branco… WTF? Vamos deixar essa imbecil famosa? O nome dela é Adriana Dias, doutora em antropologia formada pela Unicamp.
— Carlos Jordy (@carlosjordy) May 29, 2020
Então, tá.