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Muito além da boate Kiss: cartas psicografadas já foram usadas para absolver réus

Advogada Tatiana Borsa usa “carta psicografada” para pedir absolvição do músico e vocalista
Foto: Juliano Verardi/TJRS

No julgamento do caso da boate Kiss, tragédia ocorrida em janeiro de 2013 que vitimou 242 pessoas, a advogada Tatiana Borsa protagonizou uma cena ridícula. Defensora do músico Marcelo de Jesus dos Santos, responsável por ter acendido o artefato pirotécnico que originou o incêndio no local, ela apresentou ao tribunal uma carta que disse ter sido “psicografada”.

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A advogada mostrou um áudio que, segundo ela, reproduzia a mensagem enviada por Guilherme Gonçalves, um dos jovens mortos no incêndio. “Psicografias de sete jovens que desencarnaram na boate Kiss em janeiro de 2013, em Santa Maria”, diz a introdução. A tentativa de Tatiana era demonstrar que as vítimas não querem responsabilizar os réus pelo ocorrido.

“Ao invés de gastar nosso pensamento procurando por culpados, vamos nos unir em oração (…) Pai e mãe, estimaria vê-los longe de qualquer protesto. Os responsáveis também têm famílias e não tiveram qualquer intenção. Pensemos no fato como uma fatalidade”, diz o áudio com a leitura da suposta carta. Alguns dos familiares das vítimas se incomodaram e deixaram a sala durante o episódio.

Não é a primeira vez que acontece algo do tipo. Cartas psicografas já foram usadas como provas para absolver réus. Matéria da ConJur publicada em 2007 conta que uma mulher foi inocentada da acusação de assassinato graças à própria vítima.

O tabelião Ercy da Silva Cardoso foi morto dentro de casa com dois tiros na cabeça, em julho de 2003, na cidade de Viamão (RS). No julgamento, três anos depois, o médium Jorge José Santa Maria ajudou a psicografar uma suposta carta em que o próprio Ercy depunha a favor da amante.

O líder espírita Chico Xavier psicografou, nos anos 70 e 80, supostas cartas de pessoas que haviam sido assassinadas.

Leia abaixo trechos da reportagem:

(…) A carta psicografada, lida ao júri, foi contestada no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A acusação pediu a nulidade do julgamento. Em junho deste ano [2007], o TJ do Rio Grande do Sul anulou o júri porque um dos jurados havia sido defendido pelo mesmo advogado de Iara. Não analisou, portanto, a validade da prova do além. (…)

O caso de Iara, seu amante e a carta psicografada não é o único na história do Direito brasileiro. Se ainda estivesse vivo, o líder espírita Chico Xavier, provavelmente, poderia ajudar muitos acusados. São conhecidos alguns casos em que Xavier usou seus dons mediúnicos em favor dos réus.

Na década de 70, a história do juiz Orimar Pontes, de Goiás, se cruzou pelo menos duas vezes com a de Chico Xavier. Em 1976, o médium psicografou o depoimento de Henrique Emmanuel Gregoris, assassinado por João Batista França durante uma brincadeira de roleta russa. No mesmo ano, o líder espírita psicografou a carta de Maurício Garcez Henriques, morto acidentalmente por José Divino Gomes. Nos dois casos, o juiz Orimar Pontes aceitou o depoimento póstumo das vítimas e os jurados absolveram os réus.

Em 1980, em Campo Grande, outra vez um escrito de Chico Xavier esteve nos tribunais como prova da inocência de alguém. José Francisco Marcondes Maria foi acusado de matar a sua mulher, Cleide Maria, ex-miss Campo Grande. O médium recebeu o espírito de Cleide. Com o depoimento, José Francisco foi absolvido. Em novo júri, chegou a ser condenado, mas a pena já estava prescrita. (…)

Em Viamão, a acusação de Iara reclama que a leitura da carta psicografada influenciou os jurados, o que não deixa de estar certo. Mais uma vez, nada de errado há nisso. Qualquer prova, relato ou depoimento influencia os jurados, leigos no universo jurídico.

“Toda prova depende da convicção de quem julga. Por exemplo, quando uma testemunha afirma que um fato aconteceu de um jeito e outra testemunha diz que aconteceu de outro, o julgador acaba tendo de escolher entre uma das versões”, compara o juiz Luiz Guilherme. “Não há meios de impedir que algum advogado apresente uma mensagem psicografada como prova. É uma prova como qualquer outra.”

A explicação dos especialistas é a de que o corpo de jurados é formado por pessoas que podem ter as mais diversas crenças. Uns podem acreditar na mediunidade, outros não. Dessa ótica, a carta psicografa é uma faca de dois gumes. “Um católico pode achar a carta bobagem e condenar o réu”, exemplifica Roberto Podval, advogado criminalista. “No júri, o que conta é a experiência pessoal de cada um.”

O advogado Maurício Zanóide considera que é impossível analisar até que ponto determinada prova influenciou os jurados. Estes estão proibidos de conversa durante o júri e não podem fundamentar suas decisões. Como saber o grau de influência da prova do além? Impossível, diz Zanóide. (…)

Veja o momento em que a suposta carta psicografa é lida no julgamento do caso da boate Kiss:

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Davi Nogueira

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