Bolsonarismo sem Bolsonaro: MamãeFalei contra Padre Júlio e a nova onda de ódio nas redes sociais. Por Zambarda

Atualizado em 29 de setembro de 2020 às 10:40
Padre Júlio Lancelotti, que foi vítima de MamãeFalei e Conte Lopes: Nova onda de ódio nas redes de direita. Foto: Reprodução/CNBB/Facebook/Wikimedia Commons

No dia 15 de setembro, Arthur Do Val, o youtuber MamãeFalei do MBL, postou o seguinte no Twitter: “O que o Padre Lancelotti faz é deplorável. A Igreja Católica tem uma linda histórica e não pode ficar a mercê de um cafetão da miséria. Nunca ameacei ninguém, nem ele. Ele é uma das maiores farsas do Brasil, em breve vocês saberão! Vou desmascarar esse padre”.

 

Ele é hoje candidato à prefeitura de São Paulo pelo Patriota e está demonstrando o comportamento mais extremista nas redes sociais nessa disputa. É acusado de mentir e distorcer informações para uma plateia sedenta de ódio.

O influenciador foi criticado pela imprensa e por internautas, ficando entre os assuntos mais comentados da rede pela violência da postagemUm dia depois do episódio, o site Jornal da Cidade Online, de fake news bolsonarista, escreveu um texto com a seguinte chamada no Twitter: “Arthur tem razão. O padre sempre explorou a miséria. É um autêntico padre militante. Por outro lado, o padre também tem razão. Arthur quer aparecer e usa o padre para tal. É o oportunismo que caracteriza o MBL”. Apesar de ser um alvo comum dos defensores do presidente, o youtuber do Movimento Brasil Livre agora é poupado e eventualmente exaltado. E a tática ofensiva do MamãeFalei não começou neste mês para a campanha eleitoral pela prefeitura de São Paulo, usando o padre Júlio Lancellotti, que ajuda moradores de rua, como escada.

Isso vem de antes. 

No final de agosto, MamãeFalei atacou o DCM, o 247 e sites de esquerda com uma mentira. “Mulher foi baleada durante tiroteio e morreu. Ela se curvou para proteger o filho e foi atingida por balas de fuzil. Você não verá a esquerda falando desse caso. Sabe por quê? Porque era uma guerra entre facções tentando dominar um morro. Aí eles se calam!”, disse o youtuber. Ele comentou sobre o assassinato de uma mulher chamada Ana Cristina no Complexo do São Carlos, em um conflito de facções nas favelas. A mulher morreu protegendo o filho de três anos e o DCM deu a notícia, assim como outros sites e perfis nas redes, diferente do que ele afirmou.

Quem criticou Arthur MamãeFalei Moledo do Val no Twitter, imediatamente foi atacado por perfis anônimos utilizando avatares de animes (animação japonesa) e gamers. É uma parte das milícias que, muitas vezes, endossa Bolsonaro e que hoje está ao redor dos políticos do MBL, hoje endossado por grupos de mídia como a Jovem Pan.

Uma pesquisa recente publicada pela professora e antropóloga Isabela Kalil, diretora do Núcleo de Etnografia Urbana da Fundação Escola de Sociologia e Política, aponta que essa faixa jovem, nerd e gamer passou a crescer dentro do bolsonarismo e da extrema direita brasileira, imitando a alt-right americana. Boa parte atua nas redes sociais e endossa outros políticos da extrema direita, como o próprio MamãeFalei, Kim Kataguiri e outras figuras do MBL.

Algumas das postagens trataram o atirador Kyle Rittenhouse, que matou dois militantes antirracistas do Black Lives Matter nos Estados Unidos, como “herói”. 

“Autodefesa, amigo. Foram perseguir um moleque com rifle na mão e estavam pedindo para se f*”, diz um dos milicianos extremistas que foram defender MamãeFalei. Outro afirmou que as pessoas mortas por Rittenhous eram “pedófilas”, espalhando teoria da conspiração Qanon, comuns no 4Chan e em fóruns anônimos.

Em uma entrevista ao DCM no dia 21 de agosto, o educador Daniel Cara, filiado ao PSOL, definiu bem o comportamento do youtuber do Movimento Brasil Livre. “Assim como Rodrigo Constantino é bolsonarista e supostamente liberal, isso se aplica ao grupo do MBL. Ele são contra o governo Bolsonaro só até determinado ponto”, explica Daniel. Através de grupos liberais, como Instituto Mises e Millenium, MamãeFalei chega a fazer críticas ao atual governo, mas depois replicam procedimentos das milícias fiéis ao presidente. “É o entorno da Jovem Pan”, completa.

Mas há casos envolvendo outros políticos, também da direita.

O caso de assessores do deputado Conte Lopes

A jornalista Patrícia Lélis, que fez denúncias e acusações contra Marco Feliciano e Pastor Everaldo (hoje preso em operação da Polícia Federal), entrou em contato com o Diário do Centro do Mundo para fazer uma nova denúncia. Ela alega que está recebendo ataques digitais há um ano de um homem chamado Leonardo Antonio Corona Ramos. Ele e a namorada fizeram ataques digitais contra Patrícia e estão por trás da articulação de um perfil anônimo chamado “Lélis da Depressão”.

Perfil anônimo que faz ataques contra Patrícia Lélis. Foto: Reprodução

“Filmaram minha casa aqui nos Estados Unidos (Patrícia Lélis está em Washington) e o homem confessou que foi pago pelo ato. Ele me mandou xingamentos pelo WhatsApp. Ligaram para minha sogra na Carolina do Norte e para a empresa do meu marido”, disse ela em depoimento ao DCM. O curioso dos ataques é um detalhe.

Corona era funcionário do gabinete do deputado estadual Conte Lopes (PP) e perdeu o emprego para apurar “eventual desvio de verba pública”. Ele foi acusado de ser funcionário fantasma do parlamentar na Alesp.

Mesmo aparentemente desligado da política, Leonardo Corona descobriu o WhatsApp de Patrícia Lélis para fazer ataques diretos. Ela postou uma thread explicando as ameaças no Twitter. O caso transformou-se em um processo na Justiça.

Neide Corona Ramos, a mãe de Leonardo Corona, ainda é assessora especial parlamentar de Conte Lopes. Seu salário vai até R$ 16 mil, de acordo com a própria Alesp.

Patrícia enviou ao DCM os áudios com ataques e palavrões que recebeu pelo WhatsApp de Leonardo Corona, além de uma thread que foi retirada do ar no Twitter após a abertura de um processo. O ex-assessor de Conte Lopes ofende e diz que ela fez sexo com políticos em Brasília.

As origens do ódio nas redes sociais

O líder Kim quando apresentava a Ficha Social

As milícias bolsonaristas são os militantes nas redes sociais e o gabinete do ódio envolve deputados e suas verbas públicas no esquema de disseminação de notícias falsas e ataques. No entanto, antes das práticas dos apoiadores de Jair Bolsonaro, o MBL foi responsável por adotar esses procedimentos na internet.

Em 2015, o DCM fez reportagens sobre Folha Política, Movimento Contra Corrupção (MCC) e o canal de YouTube Ficha Social, que tinham participação de Kim Kataguiri na época do golpe contra Dilma Rousseff. Na época, o Movimento Brasil Livre promoveu esses sites e redes no Facebook. Eles chegaram atacar com mentiras diferentes jornalistas, como o colunista do UOL Leonardo Sakamoto.

Uma reportagem de 2018 do site Intercept Brasil apontou o PRTB, partido do General Mourão, vice de Bolsonaro, como um dos financiadores dessas redes mais iniciais.

Agora, com a permanência de Bolsonaro na presidência da República, sem risco de impeachment, MamãeFalei e ex-assessores de deputados como Conte Lopes adotaram os métodos das milícias do ódio para permanecer em evidência. Alguns deles, como o próprio youtuber, tentam ganhar votos nas eleições.

Outro lado

O Diário do Centro do Mundo solicitou esclarecimentos do deputado Arthur MamãeFalei Moledo do Val e de Conte Lopes. 

Ao MamãeFalei, foi perguntado o seguinte:

1 – Arthur, você acha razoável seguidores seus no Twitter defenderam o atirador Kyle Rittenhouse, que matou dois militantes do Black Lives Matter em agosto? Você se identifica com eles?

2 – Por que você faz posts afirmando que a “esquerda não fala sobre” quando sites de esquerda noticiam mortes na favela ou mesmo um processo do ator José de Abreu?

3 – Vale tudo por engajamento nas redes sociais?

4 – Por que a sua candidatura à prefeitura e o próprio MBL perderam o tom mais crítico ao governo Bolsonaro?

O youtuber não respondeu até o fechamento desta reportagem. O espaço está aberto para manifestação dele.

Ao deputado Conte Lopes, foi perguntado o seguinte:

1 – Deputado, o senhor acha razoável um ex-servidor seu chamado Leonardo Corona, acusado de ser um funcionário fantasma, fazer ataques pelo Twitter e ao WhatsApp contra a jornalista Patrícia Lélis?

2 – O senhor aprova o combate contra a esquerda colocando um ex-assessor seu para filmar a casa de Patrícia, nos Estados Unidos? E ligações para os familiares dela?

3 – Vale tudo por engajamento nas redes sociais? O que o senhor pensa disso?

4 – Neide Corona Ramos, mãe de Leonardo Antonio, achou normal as acusações do filho no seu gabinete?

O deputado respondeu ao DCM, negando as informações enviadas por Patrícia Lélis e afirmando que acionaria seu advogado:

Prezado Senhor Pedro Zambarda,

Em primeiro lugar, e isto desde já deve ficar consignado, que o Senhor Leonardo Corona jamais foi acusado de ser funcionário fantasma em meu gabinete parlamentar. Informo a bem da verdade e para as devidas providências cabíveis, caso haja necessidade, de que eu e os meus funcionários no ano de 2007, fomos vítimas de uma ex-funcionária do meu gabinete, que ao ser exonerada por mim, encaminhou uma  carta ao Ministério Público que continha incontáveis mentiras e falsidades, inclusive com ameaça a minha vida. Na carta ela colocou o nome de todos os funcionários do meu gabinete parlamentar, acusando a todos de fantasmas, numa atitude de vingança e ódio desmedido. 

O Ministério Público nunca ofereceu sequer denúncia, por se tratar a carta, inclusive de conteúdo completamente falso e sem o menor cunho de veracidade. Parte daí que o senhor está completamente equivocado sobre a informação recebida. Vale salientar que recentemente a pessoa de Patrícia Lelis também fez uma publicação em sua página do Twitter, acusando os meus funcionários de serem fantasmas, o que deu origem a um processo cível e criminal, onde ela deverá responder pelos conteúdos difamatório, inclusive, em sentença judicial a Juíza determinou ao Twitter  a imediata remoção de todos os conteúdos difamatórios, sob pena de multa de R$ 60.000,00 (Sessenta mil reais).

Número do Processo – 1058019-75.2020.8.26.0100.

Informo ao Senhor, que antes desse lamentável fato ocorrido recente, eu nunca tinha ouvido falar o nome dessa Senhora Patricia Lelis e tão pouco sabia de sua existência e só vim a tomar conhecimento dessa pessoa após ter sido informado de que ela estava me acusando de ter funcionários fantasmas em meu gabinete parlamentar. Informo também a Vossa Senhoria que não tenho qualquer contato com o filho de minha funcionaria, pois no ano de 2010 eu fiquei como suplente de Deputado e todos os meus funcionários seguiram as suas vidas. Sei que atualmente o Senhor Leonardo, reside na Europa e trabalha como Engenheiro em sua própria empresa. Como afirma a minha Advogada, mãe do Leonardo, que trabalha em meu gabinete por 30 anos e  é pessoa de minha inteira confiança, ele tão pouco conhece a Senhora Patrícia Lelis. 

Assim, respondendo ao item 2º eu AFIRMO que nunca pedi para o Senhor Leonardo filmar a casa de Patrícia Lelis, e que isto jamais foi feito. Todas essas afirmações não passam de mentiras, as quais serão informadas ao DD. Juíz do processo. 

Racionalmente, o Senhor mesmo pode concluir que essa afirmação é completamente desvairada e sem sentido. Que motivo eu teria para mandar o Senhor Leonardo ir para os Estados Unidos para filmar a casa dessa Senhora? A grande probabilidade de mais essa mentira  é  de que toda essa invenção é devida ao fato de que o Twitter procedeu na retirada dos Twittes Difamatórios produzidos por Patrícia Lelis. Senhor Pedro Zambarda, com todo respeito, mas aí o Senhor também está querendo acreditar em loucuras!

Quanto ao item 4º do seu questionamento, o que todos nós achamos anormal é o fato dessa Senhora, sem  nenhum motivo passar a agredir e disseminar mentiras e falsidades sobre os funcionários do meu gabinete e também sobre a minha pessoa, mas pelo que já fui informado, parece que é o estilo dessa Senhora criar falsidades e mentiras sobre as pessoas para  chamar atenção para si mesma.

Quanto ao item 5, sim eu tenho algo a colocar ao Senhor, com os meus mais profundos respeitos, acredito que a sua fonte não lhe forneceu qualquer informação válida ou verdadeira e que o Senhor está extremamente mal informado a respeito de tudo que está afirmando, pois não há veracidade alguma no seu relato.

Colocando-me à sua disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam ainda necessários, neste ato, fique o Senhor cientificado e NOTIFICADO,  de que as informações recebidas pelo Senhor, tratam-se de inverdades e falsidades que lhe foram relatadas e que se traduzem em crime de Calúnia e Difamação, objetos de possível ação criminal e indenizatória competente.

Informo, ainda, que na segunda-feira, dia 28 de setembro de 2020, o meu Advogado particular deverá entrar em contato com o Senhor, pois suas afirmações são incorretas e falsas.

Atenciosamente, 

Deputado Conte Lopes.