Bolsonaro ameaça jornalistas desde que era capitão do exército, mostra documento. Por Vinícius Segalla

Atualizado em 31 de julho de 2019 às 22:11
A imprensa que se cuide

Se existe algo que nenhum eleitor de Jair Bolsonaro pode alegar em sua defesa é que foi surpreendido pelo jeito de ser do presidente da República. Ao longo das dezenas de anos de carreira pública que acumula, o ex-capitão do Exército jamais escondeu sua forma de enxergar a realidade e as fórmulas que tem a oferecer para transformá-la.

Nos últimos dias, no entanto, tem sido dito e escrito que Bolsonaro está extrapolando, radicalizando ainda mais seu discurso e mostrando ser ainda mais rudimentar seu modo de agir e pensar do que se imaginava. Causou particular comoção e surpresa a forma como presidente ameaçou prender o jornalista Glenn Greenwald, sem para tanto dizer qual crime ele teria cometido, o que nem seu porta-voz foi capaz de explicar posteriormente.

Certamente não causou surpresa a quem já leu um relatório oficial produzido pelo Estado-Maior das Forças Armadas Brasileiras, cuja íntegra segue abaixo.

No documento, há dezenas de anotações feitas por oficiais do Exército sobre condutas desabonadoras de Jair Bolsonaro. Há também relatos da jornalista Cássia Maria Rodrigues, que trabalhava na revista Veja e informou ter sido ameaçada de morte por Jair Bolsonaro, no ano de 1986. Após ter dito à repórter, em entrevista em que solicitou não ser identificado, que preparava um atentado à bomba em dependências do Exército para que tivesse o soldo aumentado, ele a advertiu mais de uma vez para que não colocasse seu nome na reportagem. Assim a jornalista descreveu o episódio às autoridades:

Bolsonaro advertiu-me mais uma vez para não publicar nada sobre nossas conversas. ‘Você sabe em que terreno está entrando, não sabe?’, perguntou. E eu respondi: ‘Você não pode esquecer que sou uma profissional’.’

Mesmo assim, diante de um plano de atentado a bomba nas Forças Armadas, a jornalista e a Veja decidiram desrespeitar o off, e deram o nome do então capitão na revista.

Bolsonaro, então, passou a negar que teria dado a entrevista, disse que tudo não passava de mentiras da jornalista, “só para vender revista”. Isso não o livrou de um processo disciplinar, em que Cássia Maria Rodrigues teve que ir depor em uma unidade do Exército no Rio de Janeiro. Bolsonaro estava lá. E fez a ela um gesto que veio a se tornar famoso anos depois: a imitação de uma arma com os dedos da mão. Depois disso, a repórter passou a andar com seguranças.

Trecho de relatório do Exército em que é relatada uma ameaça de morte que teria sido feita por Bolsonaro

Este é Jair Bolsonaro. O mesmo homem que sempre foi. O mesmo homem que, também recentemente, fez pouco caso para uma invasão de terras indígenas por garimpeiros, no Estado do Amapá. Como se sabe, o presidente vem deixando claro seu apreço pelo garimpo e seu desapreço por reservas indígenas e áreas de preservação ambiental. O mesmo relatório do Exército a que se refere esta reportagem, como se pode ver no trecho abaixo reproduzido, também dá conta de não deixar ninguém surpreso quanto a isso.