Bolsonaro desmoraliza até o imponderável. Por Moisés Mendes

Atualizado em 1 de abril de 2021 às 10:34
Jair Bolsonaro em evento militar de 2019

Publicado originalmente no blog do autor

Vão fracassar os que tentarem se lembrar de todos os grandes desatinos de Bolsonaro que resultaram em sequelas políticas. Sem a ajuda do Google, é impossível.

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E em alguns dias é provável que tenhamos esquecido até, como fato relevante e surpreendente, que ele mandou embora quatro comandantes militares de uma só vez.

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Mandou dois generais, um almirante e um tenente-brigadeiro. Já havia dispensado uma dúzia de generais. Mas não eram oficiais com esse porte e com esses cargos.

Daqui a alguns meses, quando parentes e amigos voltarem a se aglomerar, haverá nas famílias longos debates sobre o número de demitidos no alto comando.

Poucos se lembrarão do nome do ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva, porque dos outros quase ninguém sabe os nomes nem mesmo hoje.

O que seria impensável até ontem é o que Bolsonaro fará amanhã. Ninguém imaginaria que o sujeito mandaria embora quem já mandou, e com naturalidade. A cada desatino, parece que vai acontecer alguma reação mais forte, mas não acontece nada.

Enquanto políticos, cientistas e imprensa tentam medir o tamanho da atual crise, ficamos sabendo que o novo comandante do Exército é o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Um oficial apresentado como moderado e respeitador da ciência e que por isso era criticado por Bolsonaro.

Chefiou o departamento geral de pessoal do Exército e foi quem fixou protocolos rígidos e reduziu a quase zero o contágio pelo coronavírus nos quartéis.

Pois anunciaram que, com esse perfil, o general seria um estranho no ninho do bolsonarismo. Como se o respeito à ciência hoje, dentro do governo, fosse uma virtude excepcional.

O resumo é que iria se acomodar na liderança do Exército quem ninguém esperava. Um general não-negacionista, não-bolsonarista, não-extremista, como contraponto aos dois bolsonaristas, mesmo que moderados, que assumem Marinha e Aeronáutica.

E aí se descobre, ao final da tarde de quarta-feira, que não é bem assim. Que Oliveira segue apenas 24 perfis no Twitter, todos de bolsonaristas e olavistas, segundo descoberta do jornalista Guilherme Amado, da Época.

O general segue Bolsonaro, Hamilton Mourão, os deputados Carlos Jordy (PSL-RJ) e Bia Kicis (PSL-DF), os jornalistas Alexandre Garcia e Guilherme Fiúza e a juíza Ludmila Lins Grilo, considerada discípula de Olavo de Carvalho e denunciada no Conselho Nacional de Justiça por publicar vídeos incentivando desrespeito às normas da saúde pública. E os dois jornalistas são da direita da direita.

Oliveira é defensor de medidas de isolamento, mas isso quer dizer apenas que ele pratica a racionalidade bem básica que os bolsonaristas desprezam. É só isso. O novo comandante do Exército não é muito diferente dos comandantes da Marinha e da Aeronáutica.

E segue o baile sem máscaras em Brasília e tudo fica resolvido. O ministro da Defesa que saiu e os três ex-comandantes que o acompanharam serão daqui a pouco esquecidos num canto da memória de militares e civis. E a crise terá sido superada, até a próxima crise.

Daqui a alguns dias teremos outros rolos protagonizados por Bolsonaro, tão ou mais tenebrosos do que os atuais. E Bolsonaro mandará mais um general embora de algum cargo do primeiro escalão e haverá uma fila de uma dúzia de generais para assumir o posto do que foi dispensado. Não necessariamente de quatro estrelas, mas generais do padrão de Eduardo Pazuello.

Haverá sempre alguém que queira ser ministro de Bolsonaro, mesmo que discorde do que ele pensa e faz. Acontecerá com militares e com civis, como quase aconteceu com a médica Ludhmila Hajjar. Discordava em tudo de Bolsonaro, mas queria ser sua ministra da Saúde e só não foi porque a família a rejeitou.

O poder na era Bolsonaro vai aplacando conflitos e tensões aparentemente incontornáveis. Bolsonaro mudou a cúpula militar e entrou agora no vácuo da crise que provocou, de onde sairá com o próximo conflito, que será resolvido aos trancos e barrancos, mas será resolvido. Todos até agora foram solucionados, mesmo que com gambiarras só aparentemente inimagináveis.

Não há ruptura, nem ensaio de que uma retroescavadeira possa se movimentar de surpresa e jogar Bolsonaro no lixão da História. Bolsonaro normalizou tudo o que poderia ser uma tragédia política, depois de ter normalizado o genocídio.

Até quando? Por enquanto, pelo que está dado, até as eleições do ano que vem. Antes, só aconteceria algo mais drástico se a classe média vacinada fosse às ruas e mandasse recados incômodos ao Centrão.

Se a classe média continuar hipnotizada pelas séries, se o Centrão continuar saqueando o governo e se os generais não enxergarem nada de mais grave na demissão de quatro comandantes, Bolsonaro pode até demitir os novos ministros militares amanhã e é provável que nada aconteça. Bolsonaro está acabando até com o imponderável.