Boni critica a Globonews por não dar espaço a contraditório: jornalismo “morno e chato”

Atualizado em 13 de janeiro de 2021 às 9:00
José Bonifácio Oliveira Sobrinho, o Boni. Foto: Reprodução/RedeTV

Aos 85 anos, empresário, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, parece entender mais de jornalismo do que toda a cúpula de profissionais responsáveis pelos noticiários da Globo, incluindo o diretor-executivo de Criação e Produção de Conteúdo, Carlos Henrique Schroder, que é jornalista.

Em entrevista a um site especializado em cobertura de negócios, NeoFeed, ele disse que falta contraditório nas análises da Globonews.

“Se todos pensam da mesma forma, a tendência é ficar tudo muito morno e chato”, disse.

Boni tem pecados graves no currículo, como o de ter permitido em 1989 a edição desonesta do debate presidencial entre Lula e Collor.

A obra foi do número 2 na hierarquia do jornalismo na época, Alberico Souza Cruz, que deu um balão em Armando Nogueira, o número 1.

Pouco tempo depois,  Armando Nogueira deixaria a direção de jornalismo e, com Collor eleito, Alberico assumiria, para ficar cinco anos no cargo.

Boni era o diretor-geral, o número 2 de toda emissora. Mas, a rigor, nesse caso, mesmo que quisesse, pouco podia fazer para evitar a escrita de uma das páginas mais sujas do jornalismo brasileiro.

A edição do debate era ordem do “Doutor Roberto Marinho”, como era chamado o dono da emissora.

Mas, sete anos antes, Boni teve força para reverter os danos causados pelo escândalo Proconsult.

Em 1982, na disputa pelo governo do Rio, Leonel Brizola correu o risco de ter a eleição roubada numa manobra que envolvia agentes do SNI, como conta Elio Gaspari com base nas conversas e nos arquivos do general Golbery do Couto e Silva.

Brizola tinha tido a esmagadora maioria de votos na cidade do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense, mas o TRE divulgava os boletins de urna do interior do Estado, onde Moreira Franco liderava.

A Proconsult, empresa contratada pela Justiça do Rio para totalizar os votos, colocava o adversário de Brizola na frente, o que parecia ser evidência de fraude.

“O Boni deu um esporro em todo mundo e mandou que a gente dissesse que o Brizola estava liderando a eleição”, disse um executivo da emissora, numa reportagem que fiz há 21 anos.

“Eu ponderei que não podíamos fazer isso, porque trabalhávamos com dados oficiais e tínhamos criado uma central de apuração”, recordou.

“Então diz que o Brizola vai ganhar a eleição. Estamos sendo desmoralizados”, respondeu Boni, segundo esse executivo.

A solução costurada por Armando Nogueira foi colocar o matemático Oswald de Souza para dizer que, embora o resultado parcial mostrasse a liderança de Moreira Franco, com base nos boletins do interior, as projeções baseadas nos boletins da capital e da Baixada (com eleitorado muito maior) indicava vitória irreversível de Brizola.

Além disso, com anuência de Boni, ofereceu a Brizola espaço em horário nobre. Brizola aceitou, desde que fosse ao vivo, e criticou a Globo na própria Globo.

No escândalo do debate, em 1989, a Globo não corrigiu o erro. Pelo contrário. Premiou a desonestidade do jornalista, promovendo-o a diretor.

Na época em que apurei o caso Proconsult, falei com Boni pelo telefone, mas ele não quis comentar o assunto.

Na entrevista à NeoFeed, os assuntos mais antigos não foram abordados.

A proposta era outra, mas, ainda assim, é possível fazer uma crítica a Boni, hoje dono da afiliada da Globo no Vale do Paraíba, interior de São Paulo.

Ele diz que a CNN Brasil faz “um bom trabalho” e silencia sobre o absurdo que é a emissora ter em seus quadros um jornalista que, bolsonarista, critica a vacina e defende no ar medicamentos sem eficácia comprovada (cloroquina e ivermectina).

Talvez seja porque Alexandre Garcia foi trabalhar na Globo quando ele era o diretor-geral.

Boni não é jornalista, é verdade, mas, ao criticar a Globonews por ser o Politburo de Merval Pereira (sem citar o nome dele), acertou.

Seguem alguns trechos da entrevista:

O senhor, aliás, é um ávido consumidor de telejornais. Como viu a chegada da CNN Brasil, uma forte concorrente da GloboNews?

CNN Brasil está fazendo um bom trabalho. Eles conseguiram ser eficientes e rápidos num curto espaço de tempo. Mas é preciso melhorar muita coisa. O jornalismo não pode ficar em cima apenas de quatro ou cinco fatos. É preciso ter uma pauta mais extensa, oferecendo mais conteúdo e sobretudo mais opinião, com mais espaço para o contraditório. Os comentaristas dos telejornais brasileiros não divergem. Essa crítica vale principalmente para a GloboNews.

Por quê?
Vou dar um exemplo. Outro dia, durante a cobertura da pandemia, dois comentaristas da GloboNews, o Gerson Camarotti e o Demétrio Magnoli, discutiram ao vivo. É algo tão raro de se acontecer, que a âncora tomou um susto. O que é uma exceção tinha que virar regra. A discordância enriquece o debate. Se todos pensam da mesma forma, a tendência é ficar tudo muito morno e chato.

O senhor também é um crítico da atual grade de programação da Rede Globo, que o senhor ajudou a criar e que, na sua opinião, ficou obsoleta. Por que a Globo resiste tanto em mudar?

Porque é difícil mudar algo que deu certo durante muitos anos. Mas é preciso. Praticamente tudo aquilo que eu deixei lá, há 22 anos, continua rigorosamente igual. O público é ávido por novidades. Se a Globo não sair da mesmice, vai continuar o processo de perda de audiência. É preciso coragem. E eles têm quadros que podem liderar essa transformação.