“Deixa os caras comerem a mortadela deles”, diz procuradora da Lava Jato sobre manifestação do MST

Atualizado em 2 de março de 2021 às 0:04
Os Procuradores da República Antônio Carlos Welter e Laura Gonçalves Tessler (Foto: Eduardo Matysiak)

No dia 9 de maio de 2017, os procuradores da extinta Operação Lava Jato estavam empenhados em encontrar alguma coisa de irregular na manifestação que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) e outros movimentos populares estavam organizando para aquele mês, em Brasília, contra o então presidente Michel Temer (MDB).

É o que mostram os diálogos protocolados nesta segunda-feira (1) pela Defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no STF. Todas as conversas a que os advogados do petista tiveram acesso advêm da Polícia Federal, trata-se de material periciado pela Operação Spoofing, ao qual o MPF-PR teve acesso antes do que a Defesa do ex-presidente.

No dia 9 de maio de 2017, em conversa por aplicativo de celular, os procuradores buscavam um jeito de criminalizar a manifestação. “Sabe o que poderíamos fazer? Verificar as placas de todos os ônibus que estão chegando com Mst e cia. E depois ver quem tá financiando, ‘tal tá com dinheiro em espécie, propina'”, sugeriu o procurador federal Roberson Pozzobon, também chamado de “Robito” por seus pares nos diálogos periciados.

O que o procurador da Lava Jato sugere é exatamente o que nenhum procurador deve fazer: escolher um alvo e investigar suas ações em busca de um crime. Isso é o que se chama “Direito Penal do Inimigo”, execrado em dez de cada dez países democráticos. Em qualquer democracia, as autoridades policiais e ministeriais devem investigar crimes, e não pessoas, esperando que elas cometam um crime. Em regimes autoritários, porém, tal prática é plenamente aceitável e corriqueira.

9 May 17
• 13:32:25 Roberson MPF Sabe o que poderíamos fazer. Verificar as placas
de todos os ônibus que estão chegando com Mst e cia
• 13:32:32 Roberson MPF E depois ver quem tá financiando
• 13:32:48 Roberson MPF Tá que tal que é com dinheiro em espécie
• 13:32:53 Roberson MPF Propina
• 13:33:34 Laura Tessler podem alegar que foi “vaquinha” dos operários
• 13:34:06 Laura Tessler seria divertido, mas parece perseguição….deixa os
caras comerem a mortadela deles
• 13:34:14 Laura Tessler rs

Fonte: STF

Como se nota, Pozzobon investe seu tempo de procurador não em investigar os crimes contra os quais promove ações penais, mas sim em buscar fatos que criminalizem os movimentos sociais. E, antes de investigar, já parte do princípio que há ilícitos a descobrir.

Em resposta, a procuradora Laura Tessler adverte para o óbvio, embora não deixando de admitir que “seria divertido”: Parece perseguição. Deixa os caras comerem a mortadela deles. rs”.

O advogado criminalista Bruno Salles, diretor do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) explica o que há de errado na conduta dos procuradores da Lava Jato e que resta evidenciado nesse pequeno trecho de diálogo:

É um corolário do Estado Democrático de Direito e do princípio acusatório que os órgãos de persecução agem diante da existência de indícios de fatos criminosos. Essa é sagração do Direito Penal dos Fatos, em contraponto ao malfadado Direito Penal do Autor.

Nesse último sistema, muito comum antes do Iluminismo e nos estados totalitários do século XX, ao invés de se perseguir um fato criminosos, se persegue uma pessoa ou grupo de pessoas que, a priori, são tachados de criminosos.

Essa conduta, de investigar ônibus de movimentos sociais parece direcionar para esse indecoroso passado. Mostra um direcionamento das investigações para determinado grupo de pessoas.

Já o advogado criminalista André Lozano, professor de Direito Penal e Processo Penal e conselheiro de Prerrogativas da OAB/SP, acrescenta:

Há uma tentativa de criminalizar os movimentos sociais. Esses diálogos, vindos de procuradores da Operação Lava Jato, não têm a função nenhuma de fiscalizar esse tipo de movimento, mostra uma perseguição política muito grande.

Se eles tiverem falando sério, e não for só uma piada de mau gosto, mostra que o objetivo da operação não era combater a corrupção, mas mirar os movimentos de Esquerda. 

Desde que o ministro do STF Ricardo Lewandowisk tornou públicos os autos referentes à perícia da Polícia Federal nos diálogos apreendidos com um hacker – entre procuradores e policiais da Lava Jato e, em muitos casos, com a participação do ex-juiz Sergio Moro -, uma série de novas revelações sobre o modo de agir da Lava Jato têm vindo à tona.

Em uma delas, por exemplo, os procuradores comemoram o fato de o ex-juiz ter concedido mandados de busca e apreensão no processo do triplex antes mesmo que a Lava Jato tenha pedido. Em outra, Moro e Dallagnol conversam sobre manter um investigado preso por mais tempo para força-lo a assinar um acordo de delação premiada.

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