Foi publicado ontem no Diário da Assembleia Legislativa de São Paulo o Projeto de Lei que extingue a Ouvidoria da Polícia na Secretaria da Segurança Pública do Estado.
Está em tramitação ordinária, ou seja, ainda não em caráter de emergência, mas é mais um ataque aos órgãos de defesa do cidadão. O PL 31 é de autoria do deputado estadual Frederico Braun D’Avila (PSL).
Para quem não está associando o nome à pessoa, Frederico é aquele participante do programa Roda Viva no qual Manuela D’Ávila foi interrompida 62 vezes e que foi apresentado como diretor da Sociedade Rural Brasileira, ocultando ser coordenador da campanha de Bolsonaro.
Naquela noite, além do desrespeito à candidata, o atual deputado já revelava o teor de insanidade que teríamos pela frente: ao atacar a CLT, Frederico D’Avila declarou naquele programa que fascismo é de esquerda.
Como ruralista, D’Avila abraça, apoia e endossa as propostas armamentistas do bolsonarismo. Desde a campanha já fazia apologia ao militarismo e alusões ao combate que precisaria ser travado.
“Virou uma cultura no Brasil tornar o militar um cidadão de segunda classe (…) O Bolsonaro já disse que quer colocar militares nos ministérios (…) Não estamos voando em céu de brigadeiro, estamos voando sobre a Síria. O Bolsonaro é um piloto de [caça] F-16. O Brasil precisa de um piloto de F-16”, afirmou ele quando acreditávamos que Bolsonaro não tinha chance.
Produtor rural, diretor da Sociedade Rural Brasileira e vice-presidente da APROSOJA, o deputado não desaponta o eleitorado conservador.
É dele também o PL 92/2019, que “institui o Programa Cívico-Militar no ensino fundamental e médio da rede pública e privada de ensino no Estado de São Paulo”. Entre os principais pontos está a execução diária do hino nacional (o hit preferido de Ricardo Vélez).
A Ouvidoria da Polícia foi criada em 1997, mas o motivo pelo qual o deputado D’Avila roga pela extinção é que, no seu entender, “o papel da Ouvidoria tem sido o de injustamente acusar, desmoralizar e desestimular o policial no desempenho de suas funções”.
A Ouvidoria desagrada mesmo a polícia e todos aqueles que desrespeitam direitos humanos. É ela quem recebe as reclamações, além de ser mais uma a fazer estatísticas.
No ano passado, ao compilar todos os dados de 2017, a Ouvidoria divulgou um relatório que apontava que em 74% das mortes de civis causadas por policiais militares em 2017 houve excesso por parte dos agentes.
“Esse excesso se mede pelo número de perfurações nas vítimas e pelas perfurações ou na cabeça ou nas costas”, disse na época o ouvidor da polícia Benedito Mariano.
A pesquisa ainda trazia o perfil das vítimas, que estamos carecas de conhecer, e pelos quais tanto a Ouvidoria como Benedito Mariano são vistos como pedra no sapato: 99% homens; 65% negros; quase a metade entre os 18 e 25 anos; 75% apenas com ensino fundamental.
72,7% estavam “em condição de delito”, justificativa para não explicar exatamente porque foi preciso matar antes de prender. Uma expressão útil como “resistência seguida de morte”. Quase a metade também não tinha antecedentes criminais.
“Essa é uma questão cultural que precisa ser enfrentada cotidianamente, não só nas escolas de formação, mas no trabalho diário policial. O policial da ponta é levado muitas vezes ao senso comum. E o senso comum não pode pautar a ação do policial”, declarou o ouvidor, para desagrado de João Doria, Witzel, Bolsonaro e todos aqueles que consideram um “incidente” uma família receber 80 tiros em seu carro.
Juntamente com a propositura de acabar com os conselhos sociais anunciada ontem (entre eles o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos e o de combate à discriminação e promoção dos direitos LGBT), esse projeto de lei do deputado do PSL é mais uma prova do viés autoritário e antidemocrático dos atuais governantes que desejam, em síntese, demolir a participação social.
Extinguir a Ouvidoria da Polícia significa tirar do cidadão o direito ao enfrentamento à violência do Estado. Querem despejar o pente de munição e poder dizer que “não foi ninguém” e pronto. Vá reclamar com o Papa.
Em termos de direitos humanos, o período atual é letal como uma tropa do exército despreparada.