“El Conde”, da Netflix, mostra que é possível rir de um ditador como Pinochet

Atualizado em 8 de outubro de 2023 às 6:46
Pinohet na comédia de terror “El Conde”

Enfim se foi mais um setembro e com ele as memórias de períodos e datas significativas para a história na América do Sul: a Independência do Brasil e o golpe militar sanguinário de 1973 no Chile, o qual depôs Salvador Allende.

Augusto Pinochet, o fascista empedernido que traiu Allende, é retratado em “El Conde” um vampiro de 250 anos, deprimido e disposto a se matar. Pinochet é o personagem principal nesse fantástico longa-metragem de terror, em que se misturam humor e cinismo crítico com pitadas de terror noir.É dirigido por Pablo Larraín com colaboração de Guilhermo Calderón no roteiro premiado com o Leão de Ouro no festival de Veneza 2023.

O filme possui fotografia em preto e branco, muitíssimo elaborada e um de seus pontos mais significativos são os sobrevoos. As andanças claudicantes da besta-fera remetem às primeiras versões de Nosferatu, com muitas sombras e um realismo fantástico que se misturam a uma trilha sonora tensa cheia de violoncelos e violinos.

Toda essa atmosfera costura e dá pano de fundo a diálogos incríveis, escancarando as atrocidades cometidas por um Pinochet imortal com dedicação full time neste calvário infinito com a repressão, corrupção e extermínio de pensamentos e personagens progressistas ao longo dos séculos.

Roteiro e direção realmente muito afinados no escancaramento sutil das mutretas do facínora que eliminou, em contagens atualizadas, mais 40 mil opositores. Estes e outros assuntos tangenciam a forma com que o general fez sua fortuna espalhada pelo mundo, esta que agora é cobiçada por seus herdeiros, conduzidos por uma contadora, digamos, no mínimo peculiar e instigante ao velho vampiro aposentado. Em interpretações fantásticas de Paula Luchsinger, a freira e Jaime Vadell, como o anticristo.

Detalhes se revelam aos poucos, travando uma costura com fatos históricos, passagens importantes para construção de um personagem que vagou pelo tempo desafiando o conceito básico do cristianismo, tornando-se asqueroso e repugnante perante as novas gerações.

Um aspecto que chama a atenção é a narrativa em off por uma mulher com sotaque britânico carregado, que dará ao final de El Conde um rumo inesperado e revelador sobre o “amor eterno e necessário“.

Em suma, nesta recente obra do Netflix, você irá encontrar, com toda certeza, bastante crítica política, personagens muito bem trabalhados, terror nonsense em meio a uma boa estrutura de comédia, locações surpreendentes e direção de arte fabulosa.

Arrisco dizer que, neste caso, estou com Oscar Wilde, a arte não imitou a vida, o filme é muito mais interessante por romantizar a vida de um canalha. A obra cinematográfica é muito maior que a inspiração para essa ficção.