As eleições no Chile e a América Latina. Por Emir Sader

Atualizado em 9 de dezembro de 2021 às 16:01
Manifestantes no Chile
Manifestantes no Chile protestam em dezembro de 2019.
Foto: Colectivo +2/Carlos Vera M

Por Emir Sader

A realidade latino-americana passou a estar estreitamente vinculada. Qualquer acontecimento em um país tem reflexos diretos no outro.

A vitória de Lula no Brasil em 2002 teve efeitos na Argentina, em que a vitória de Nestor Kirchner teve efeitos na eleição de Tabaré Vázquez no Uruguai. E foi se encadeando um processo virtuoso que se estendeu à Bolívia e ao Equador. Cada processo teve sua dinâmica interna. Mas os laços entre os países foram dados pelo fato de que foi a região do mundo que teve mais governos neoliberais e os modelos neoliberais mais radicais.

Quando o neoliberalismo começou a dar mostras de se estar esgotando, seus efeitos se produziram imediatamente nos países do continente. Surgiram aqui mesmo os primeiros governos anti-neoliberais, como resultado das mobilizações populares contra esse modelo. Na Venezuela, no Brasil, na Argentina, no Uruguai, na Bolivia, no Equador.

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Quando estes governos demonstraram seus limites, foram se dando, também em cadeia, crises na Venezuela, na Argentina, no Brasil, na Bolivia, no Equador, no Uruguai. Em alguns países governos foram derrotados em eleições, em outros derrubados com golpes. O cenário politico latino-americano se transformou, embora por pouco tempo, pelo folego curto que as restauracoes neoliberais tiveram, pelas limitações estruturais que esse modelo tem.

A vitória de Alberto Fernandez na Argentina, paralela à eleição de López Obrador no Mexico, anunciaram uma nova onda progressista na América Latina, seguida pela nova vitória eleitoral na Bolívia. As eleições no Chile podem fortalecer essa recomposição progressista, a que se seguem as eleições na Colombia em maio de 2022 e as brasileiras em outubro.

Uma vitória de Gabriel Boric no dia 19 representará a culminação das mais importantes mobilizações populares no pais desde o fim da ditadura, começadas em 2019. Mobilizacoes que conseguiram a convocação de uma Assembleia Constuinte, paralela às novas eleições presidenciais.

É uma oportunidade histórica para que o Chile supere as heranças da ditadura pinochetista, tanto o modelo econômico, como elementos ainda da constituicao imposta pelo regime ditatorial. As eleições presidenciais complementam uma possibilidade de que o Chile tenha uma refundação do seu sistema politico, com um presidente originário das mobilizações estudantis no pais ao longo da ultima década.

Gabriel Boric foi líder estudantil, completou 35 anos a tempo de poder ser candidato à presidência do Chile. Membro da Frente Ampla – a principal organização da nova configuração da esquerda chilena, venceu o candidato do Partido Comunista na consulta interna da esquerda. No primeiro turno, surpreendentemente, o candidato de extrema direita, José Antonio Kast, triunfou com uma diferença de 2% para Boric, com 53% de abstenção.

A campanha do segundo turno tem dado vantagem para Boric, com diferença entre 4 a 16%, com uma média de 8% de vantagem. Ampliando os apoios de outros candidatos, conquistando votos dos jovens e dos mais pobres – a maioria dos que se abstiveram – parece permitir essa recuperação de Boric e pode leva-lo a se tornar presidente do Chile.

Com um programa econômico ant-neoliberal, mais forte peso de temas dos direitos das mulheres, dos indígenas, da luta pelo equlibrio ecológico e pela descentralização politiva, Boric vai receber o pais com uma grave crise econômica e social, pelo fracasso do governo de Sebastien Pinera.

O Chile, que teve, depois da primeira experiência socialista do mundo ocidental, com o governo de Salvador Alende, sofreu a ditadura militar mais marcante no continente, com o golpe de 1973 e o governo de Pinochet, até 1990. Viveu depois uma transição democrática que manteve o modelo econômico herdado da ditadura.

Agora o Chile deve viver um novo período especial, com uma Assembleia Constituinte com paridade de gênero, presidida por uma líder indígena, que deve desenhar a nova institucionalidade do pais. Ao mesmo tempo que deve ter um presidente ex-lider estudantil, de 35 anos, que surgiu para a politica das grandes mobilizações populares dos últimos dois anos.

Laboratorio de experiências politicas na America Latina, o Chile volta a viver uma experiência politica inédita, inovadora, que deverá contribuir decisivamente para o futuro politico da America Latina.

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