“A esperança foi assassinada a pauladas atrás de um quiosque”, diz repórter que conheceu Moïse

Congolês foi brutalmente assassinado no Rio de Janeiro

Atualizado em 1 de fevereiro de 2022 às 22:58
O jovem congolês Moïse Kabamgabe
O jovem congolês Moïse Kabamgabe – Foto: Reprodução

O repórter Caio Barretto Briso foi às redes sociais fazer um relato de quando conheceu o congolês Moïse Kabagambe e do momento em que ficou sabendo de seu assassinato brutal, ocorrido na madrugada do dia 24 na cidade do Rio de Janeiro.

“Conheci Moïse quando fui à favela Cinco Bocas, em Brás de Pina, fazer uma reportagem sobre a vida dos congoleses no Rio. Acabei me aproximando de um dos seus melhores amigos”, contou em nota divulgada no Twitter.

“A situação dos congoleses, angolanos e haitianos no Brasil é terrível e atravessa governos de centro-esquerda e extrema-direita de forma surpreendentemente parecida. O racismo estrutural bloqueia avanços profundos. Eles têm as nossas lágrimas, mas só podem contar com eles mesmos”, enfatizou.

“Eu queria ter esperança, queria acreditar que as coisas podem melhorar, mas a esperança foi assassinada a pauladas atrás de um quiosque. Que Eduardo Paes faça algo por Cinco Bocas. Que Cláudio Castro, aliado de milicianos, priorize o caso Moïse. Vcs acreditam nisso? Eu não”, finalizou. Confira a nota na íntegra abaixo.

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Caso Moïse: Esperança assassinada a pauladas

Conheci Moïse quando fui à favela Cinco Bocas, em Brás de Pina, fazer uma reportagem sobre a vida dos congoleses no Rio. Acabei me aproximando de um dos seus melhores amigos. Chadrac me apresentou a vários conterrâneos. Na hora do almoço, convidei-o para comer. Ele agradeceu, mas recusou: não se sentiria bem almoçando em um restaurante enquanto amigos passavam fome. Fomos então ao supermercado e enchemos um carrinho de comida. Comecei a entender ali quem eram aqueles imigrantes: se um come, todos comem. Se um passa fome, todos passam fome.

Conheci um economista congolês q falava francês, lingala, português e inglês. Sonhava ser contratado como tradutor na Rio2016, mas só conseguiu vaga como voluntário. Um administrador virou faxineiro. Chadrac, formado em hotelaria, carregava pedras em troca de 60 reais por dia.

A coordenadora da Cáritas RJ, Aline Thuller, contou na época que empresários cariocas preferiam contratar imigrantes brancos, como os sírios. Congoleses, angolanos e haitianos só eram procurados p/ trabalho braçal – como carregar e descarregar caminhão de pedra, caso do Chadrac.

Um mês antes de João nascer, demos uma festa pra 100 pessoas lá em casa. Enchi a playlist de Fally Ipupa, Simaro Lutumba e chamei Chadrac e seus amigos. Moïse, mais sossegado, ñ foi. Vcs já viram um congolês vestido pra uma festa? São os + elegantes e melhores dançarinos do mundo.

No sábado à noite, Chadrac me ligou pedindo ajuda. Contou chorando que mataram Moïse. Ñ consigo pensar em outra coisa desde então, assim como ñ consigo esquecer de um bebê recém-nascido que o pai, um homem chamado Luta, batizou de Vencedor. Era o primeiro carioca da família.

Luta fugiu p/ Brasil com sua mulher grávida. Sonhava ser jogador no país do futebol, mas acabou no subemprego. Uma vez liguei pra saber como estavam: Vencedor tinha morrido. Segundo o pai, de desnutrição, pois a família só tinha dinheiro pra comer “fufu” (fubá em lingala).

A situação dos congoleses, angolanos e haitianos no Brasil é terrível e atravessa governos de centro-esquerda e extrema-direita de forma surpreendentemente parecida. O racismo estrutural bloqueia avanços profundos. Eles têm as nossas lágrimas, mas só podem contar com eles mesmos.

Eu queria ter esperança, queria acreditar que as coisas podem melhorar, mas a esperança foi assassinada a pauladas atrás de um quiosque. Que @eduardopaes faça algo por Cinco Bocas. Que @claudiocastroRJ, aliado de milicianos, priorize o caso Moïse. Vcs acreditam nisso? Eu não.

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