“Um discurso torto pode vencer a eleição?”: entenda por que Moro está fora do mundo real

Foto: Reprodução
O jornalista Reinaldo Azevedo escreve em sua coluna no UOL sobre o discurso do ex-juiz Sergio Moro nesta quarta-feira (10).
Moro assinou a filiação ao Podemos e se lançou pré-candidato à Presidência em 2022. Segundo Azevedo, o ex-ministro de Bolsonaro “já se lança como o dono da janelinha”.
Leia alguns trechos abaixo:
O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro lançou nesta quarta a sua pré-candidatura à Presidência da República, com um discurso de 25.366 toques — bem longo para eventos do tipo. O que destacar de saída?
– ele não se oferece para ser um entre pares em busca de um consenso para a terceira via. Apresenta-se como o líder. Quem quiser que o siga. Já se lança como o dono da janelinha;
– o homem propõe criar no país um tribunal de exceção;
– 18.661 toques foram dedicados ao combate à corrupção (73,56%);
– o pré-candidato até fingiu dar importância a outros temas: 2.275 toques à economia — principal preocupação dos brasileiros, apontam as pesquisas. Isso corresponde a 8,96% do total. Esse percentual inclui uma defesa ginasiana da economia de mercado;
– Moro também está preocupado com o social propriamente: 2.273 toques (outros 8,96%), com o meio ambiente (1.274 — 5,02%); com os militares (343 — 1,3%) e com a liberdade de imprensa, que resolveu adular (540 — 2,12%).
Por que esses números? Para evidenciar a natureza da postulação e, olhem à volta, o quanto este senhor e os que o acompanham estão descolados da realidade do país. “Reinaldo, um discurso torto e alheio ao mundo real pode vencer a eleição?” Encontrem a resposta no Palácio do Planalto. O imprevisto se encarregou de fazer com que acontecesse o fatal. “Não entendi!!!” O imprevisto: a facada. O fatal: Bolsonaro seria um desastre.
Em sua fala, Moro avisou aos demais da chamada terceira via que o papinho de “vim para somar” é mesmo conversa para boi dormir. Disse:
“Nenhuma pessoa pode ter um projeto só para si mesmo. Ninguém existe só para si mesmo. Para isso, resolvi entrar na vida política e filiar-me ao podemos, um partido que apoia as pautas da Lava Jato. Mas esse não é o projeto somente de um partido, é um projeto de País aberto para adesão por todos os demais partidos, pela sociedade brasileira, do empresário ao trabalhador, por todo cidadão e cidadã brasileiros. É o seu projeto, que estava aí, aguardando o momento certo. Chegou a hora.“
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A formulação, no modo em que vem, está mais pronta a dividir do que a somar. Moro também tenta nos convencer de que recebeu um chamado. E evidencia como o pré-candidato já estava no juiz, embora, claro!, num exercício que ainda lustra a antipolítica, faça questão de dizer que nunca foi político.
Algum marquetólogo deve lhe ter dito que é preciso ser mais “humano e pessoal”. Então ele contou uma historinha. Acompanhem.
“Após um ano morando fora, eu resolvi voltar. Não podia ficar quieto, sem falar o que penso, sem pelo menos tentar mais uma vez, com você, ajudar o país. Então resolvi fazer do jeito que me restava: entrando para a política, corrigindo isso de dentro para fora. A gota d’água para mim foi encontrar um estudante brasileiro no exterior que me perguntou: ‘Moro, é verdade que você abandonou o Brasil?’. Aquilo foi como um tiro no meu coração. Eu não poderia e nunca vou abandonar o Brasil. Se necessário, eu lutaria sozinho pelo Brasil e pela Justiça. Seria Davi contra Golias.“
É evidente que esse herói se tem em grande conta e não hesita em se comparar a um patriarca. Como se sabe, Davi venceu Golias não pela força, mas pela astúcia. O Davi da 13ª Vara Federal de Curitiba não recorreu à funda, mas a prisões preventivas intermináveis, às relações impróprias entre a Justiça e o Ministério Público, a um arsenal de exceção para fazer o que entendia ser a Justiça. E não pensem que ele parou.