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Índios recebem vacinas da Covid com arcos e flechas, exigindo presença de missionário

Indígena isolado aponta arco e flecha Foto: Reprodução

Da reportagem de Tatiana Merlino no site Bocado.

Depois de uma manhã de chuva pesada na cidade de Lábrea, às 14h40 do dia 2 de fevereiro, um helicóptero da Força Aérea Brasileira levanta pouso no aeroporto da cidade do sul do Amazonas. Dentro dele, cinco funcionários do Distrito Sanitário Indígena (Dsei) e da Funai, e doses de vacina contra a Covid-19 para imunizar 231 pessoas. O rumo é a terra indígena Jamamadi, onde vivem 399 indígenas da etnia de mesmo nome. Ao pousar na aldeia, localizada à margem esquerda do rio Purus, os visitantes são recepcionados por indígenas portando arcos e flechas. E são obrigados a retornar.

O motivo da negativa em receber os funcionários do Dsei do Médio Rio Purus e as vacinas tem nome.  E é em inglês: Steve Campbell, um missionário norte-americano, da igreja Greene Baptist Church, antigo conhecido dos jamamadi e responsável por conflitos entre os indígenas e Funai e Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), segundo fontes entrevistadas pelo Bocado.

Desde que se iniciou o planejamento da vacinação dos jamamadi, eles afirmam que só aceitariam a entrada das equipes de saúde na aldeia caso Campbell participasse da ação, organizada pelo Dsei com apoio da Funai. A reportagem apurou que para conseguir entrar nas aldeias, com respaldo de Brasília, a Funai local teria negociado com o missionário e prometido aos indígenas que Campbell acompanharia a ação de vacinação, mas, após embates de última hora, a presença dele na equipe teria sido cancelada. Os índios se revoltaram e a situação se agravou.  “Está muito complicado, estamos vivendo num clima de tensão muito grande e os profissionais estão assustados”, afirma um funcionário que atua na região e que pediu para não ser identificado.

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A tensão em relação à vacinação começou antes da chegada das doses do imunizante. De acordo com relatos, sob influência do missionário e de pastores de igrejas pentecostais da região, os indígenas estariam se negando a aceitar a imunização sob os argumentos de que a Covid “é uma invenção dos brancos”, que eles “seriam feitos de cobaia”, que um chip seria implantado em seus corpos. “Temos ouvido todo tipo de fake news por aqui, que vacina mata, que a vacina tem o número da besta, que é feita de células de feto, que ela contém o vírus do HIV. Há toda uma propaganda contra a vacina”, afirma Hoadson Leonardo Silva, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

As pressões para a permissão da entrada do missionário na terra indígena (TI) não são uma novidade. Os jamamadi estão impedindo a entrada da equipe do Dsei nas aldeias desde setembro do ano passado e afirmam que só permitirão a presença dos funcionários caso Campbell volte à terra indígena. Em dezembro de 2018, o missionário foi expulso da região pela Funai após ter entrado ilegalmente na terra dos índios isolados da etnia hi-merimã, que é vizinha aos jamamadi. Desde então, ele está proibido pela Funai de entrar novamente na área, causando revolta nos indígenas.

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