Exclusivo: grupo de 700 igrejas vende bíblias com símbolo da PM-SP e dá seminário em quartéis

Atualizado em 30 de julho de 2023 às 21:06
Imagem retirada de página oficial dos “PMs em Cristo”, de São Paulo

Uma entidade que congrega mais de 700 igrejas evangélicas e que conta com a ação de mais de 1.000 policiais está presente em 60% dos quarteis da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Trata-se da Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo (ou “PMs de Cristo”), que mantém um serviço constante junto aos policiais militares do estado, incluindo os do Corpo de Bombeiros. Eles ofertam oração diária na entrada dos profissionais ao trabalho em seus quarteis. Também organizam eventos onde exibem “palestras para valorização da família, educação de filhos e educação financeira, ética e qualidade de vida”, além de ministrarem “cursos, seminários e encontros de família”.

Finalmente, por meio de suas lojas físicas e virtual, vendem aos policiais bíblias personalizadas da PM-SP e dos Bombeiros (R$ 25), livros envangelizadores e também o periódico “Pão Diário” (R$ 7).

 

Bíblia vendida aos policiais militares, com símbolo oficial da Polícia Militar de São Paulo, da Associação PMs de Cristo (crédito: Arte DCM-Fernando Miller/reprodução)

O emprego do símbolo da PM-SP em um produto que é comercializado por uma entidade privada é um procedimento que – em tese – contraria o Código Penal, que, em seu Artigo 296, determina:

Art. 296 – Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:

I – selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;

II – selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa.

§ 1º – Incorre nas mesmas penas:

I – quem faz uso do selo ou sinal falsificado;

II – quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.

III – quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)


O advogado criminalista André Lozano Andrade, membro da Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (FADDH), explica: “Os símbolos das corparações públicas não podem ser utilizados para fins particulares, especialmente em produtos postos à venda por entidades privadas. O Código Penal dispõe que tal prática constitui crime. Quem produz e comercializa esta bíblia está incorrendo em crime”.

Outros produtos à venda disponíveis aos policiais paulistas por meio das lojas da associação PMs de Cristo (crédito: Arte DCM-Fernando Miller/reprodução)

 

Formas de doação para a PMs de Cristo disponibilizadas aos policiais durante seminários e eventos da entidade nas dependências da PM-SP (crédito: Arte DCM-Fernando Miller/reprodução)

 

As atividades da associação remetem há 30 anos, quando, na Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), no bairro da Água Fria, zona Norte de São Paulo, “cadetes da PM sentindo a necessidade de compartilhar suas dificuldades e experiências pessoais com Deus, começaram a se reunir semanalmente, para cultuá-Lo e meditar em Sua Palavra”, como informa um boletim da PMs de Cristo, que continua:  

“Essa iniciativa foi se tornando mais consistente a cada dia, até que, em 1992, inspirados na história bíblica de Neemias (homem que mobilizou as famílias de Israel para a reconstrução dos muros de Jerusalém), 74 policiais militares, oriundos de várias denominações, se uniram para oficialmente fundar a ‘Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo’, conhecida como PMs de Cristo.”

Já no dia 6 de junho de 2012, tornou-se lei em São Paulo um projeto do então deputado estadual e pastor evangélico José Bittencourt (Avante), instituindo oficialmente o “Dia dos PMs de Cristo”.

Três anos depois, em 2015, o programa “Polícia e Igreja”, idealizado e desenvolvido pela PMs de Cristo, foi encaminhado como proposta ao Comando da PM-SP,  que, “dentro dos preceitos de Polícia Comunitária e de alinhamento com normas legais, de deliberações da Organização Mundial de Saúde (OSM) e de normas internas da própria corporação sobre Saúde Mental, aceitou favoravelmente os objetivos a serem alcançados por este Programa por ir ao encontro com seus objetivos de valorização de policial militar e por se amoldar à filosofia de Polícia Comunitária e de Direitos Humanos, os quais não apenas defende como também os promove.”(SIC)

Depois, no dia 15 de novembro do ano passado, enquanto eleitores de Jair Bolsonaro (PL) inconformados com sua derrota se reuniam em frente a quarteis militares por todo o país, a associação PMs de Cristo não se pronunciou oficialmente sobre o assunto, mas publicou o post abaixo em suas redes, com o título “Orem pelo Brasil!”

Imagem publicada pela PMs de Cristo em 15 de novembro de 2022 (crédito: reprodução)

Atualmente, a associação é formada por mais de 1.000 policiais militares de diversas denominações que, “em parceria com a comunidade evangélica, colaboradores e voluntários, de forma abnegada, pela fé, atuam em favor da valorização da figura humana do PM”.

Um entre as dezenas de eventos com discursos e palestras de pastores da PMs de Cristo, presente em 60% dos quarteis do estado (crédito: Arte DCM/Fernando Miller)
Imagem de divulgação da associação PMs de Cristo dentro de uma dependência da PM-SP, em um dia de reunião familiar promovida pela entidade (crédito: Arte DCM-Fernando Miller/reprodução)

Desde que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) assumiu o cargo, no início deste ano, as ações de igrejas evangélicas dentro da polícia se intensificaram.

Conforme mostrou reportagem da revista Fórum do último dia 23, no primeiro semestre deste ano, a PM-SP realizou pelo menos 40 eventos da corporação dentro de igrejas, templos e catedrais somente da Igreja Universal do Reino de Deus – agremiação ligada ao partido do governador.

Mas esses não foram os únicos eventos evangélicos customizados para policiais e realizados em organização conjunta com a Polícia Militar de São Paulo. A PMs de Cristo, espalhada em 60% dos quartéis do estado e conveniada com mais de 700 igrejas, tem também sua agenda própria de atividades.

No dia 16 de fevereiro deste ano, por exemplo, foi realizado o “Momento com Deus”, no auditório do Copom, o Centro de Operações da Polícia Militar do Estado de São Paulo, no bairro do Bom Retiro, na capital paulista, com a participação do pastor Ricardo Valério, que também é cabo da Polícia Militar no Batalhão do Choque e foi o preletor da noite.

Postagem da PMs de Cristo do dia 23 de fevereiro deste ano, remete a evento do dia 16 daquele mês, quando o Centro de Operações da Polícia Militar viveu seu “Momento com Deus” (crédito: Arte DCM-Fernando Miller/reprodução)

Amém?