Exclusivo: Lauri Love, hacker acusado de invadir sites do governo dos EUA, fala ao DCMTV

Atualizado em 2 de janeiro de 2022 às 13:13
Lauri Love
Lauri Love em entrevista ao DCM TV.
Foto: Reprodução

O ativista britânico Lauri Love concedeu uma entrevista exclusiva ao DCM TV. Classificado pela Promotoria de Justiça dos EUA como um perigoso criminoso, ele foi acusado de ciberterrorismo em três estados diferentes, em 2013 e 2014, por supostamente, junto com o coletivo Anonymous, hackear redes de computadores de agências governamentais do país, entre elas o Banco Central, a Nasa, o Exército dos EUA, o Departamento de Defesa dos EUA, a Agência de Defesa contra Mísseis, o Corpo de Engenheiros do Exército e a lista continua.

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Mas Lauri também é chamado por muitos de herói, ciberativista e gênio da computação. Um dos principais defensores da liberdade do jornalista e ativista australiano Julian Assange, ele passou por um processo parecido com o que o fundador do site WikiLeaks está enfrentando. Por quatro anos, o britânico lutou contra a extradição para os Estados Unidos, onde poderia ter cumprido até 99 anos de prisão. Em 2018, venceu o recurso com base no princípio de que ele é autista e que a possível sentença, no brutal sistema prisional americano, o levaria a cometer suicídio. Foi o primeiro caso de reversão de um pedido de extradição.

Ao DCM, o hacker falou sobre o caso Assange. Diagnosticado com a síndrome de Asperger – um tipo de autismo -, o jornalista não havia sido extraditado para os EUA sob o mesmo precedente que inocentou Lauri Love. Em fevereiro, a Suprema Corte Britânica decidiu barrar a extradição do australiano porque sua prisão seria opressiva, considerando seu estado mental naquele momento. Nesta sexta-feira (10), porém, em um tribunal fantasma, os EUA venceram uma apelação na Corte de Londres para extraditá-lo, sob a acusação de crimes de conspiração e espionagem.

“Julian Assange está sendo processado e criminalizado por bravos atos de jornalismo, expondo as irregularidades do complexo militar-industrial dos EUA, além de muitas outras revelações”, disse a Sara Vivacqua, indignado com a perseguição política ao fundador do WikiLeaks. “Se Assange for extraditado para os EUA, não conseguiremos viver em paz com nós mesmos, porque teremos traído um ser humano de imensa coragem. Todos nós teremos traído o jornalismo e a verdade, e sem essas duas coisas não podemos viver uma sociedade livre”.

Os supostos crimes de Lauri Love

No dia 25 de janeiro de 2013, hackers invadiram o site da US Sentencing Commission – órgão que define as diretrizes para condenações nos tribunais federais dos EUA -, retiraram a página inicial do site e substituíram-na por um vídeo de 10 minutos no YouTube. O clipe, cuja autoria foi reivindicada por um grupo ligado ao Anonymous, declarava uma guerra cibernética ao sistema judiciário dos Estados Unidos por se afastar dos “nobres ideais com que nasceu e foi consagrado”. A longa lista de reclamações no vídeo centrava-se na “perseguição desproporcional” a hackers por procuradores que operam “no interesse da opressão ou ganho pessoal”.

De acordo com o FBI, Lauri, que é um programador de computadores habilidoso desde a infância, foi um dos líderes do hack. Nos meses anteriores à invasão, um agente que monitorava um fórum de mensagens online frequentado por ele supostamente o viu descrevendo as vulnerabilidades de vários sites do governo americano.

Lauri Love
O ativista britânico Lauri Love protesta na entrada do Tribunal de Westminster, em Londres, contra o pedido de extradição do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, para os EUA por supostamente conspirar para invadir um computador do Pentágono — Foto: Frank Augstein/AP

O britânico afirmou que não há nada de maldoso em ser um hacker. “A própria internet foi criada por pessoas que se autodenominam hackers, que projetaram todos os protocolos e softwares para colocar a rede operando em conjunto. Portanto, não é necessariamente uma coisa carregada de valor, é um termo neutro. Você pode ser um hacker e fazer algo bom, mas também pode fazer algo ruim, danoso”. Ele define hacker como alguém “entusiasmado por tecnologia, cujo interesse vai além de apenas usá-la da forma como outra pessoa tenha imaginado ou projetado”.

Segundo ele, os hackers podem atuar como produtores de informação, repórteres investigativos capazes de se infiltrar nos espaços mais confidenciais da internet. “Quando há um conhecimento que precisa se tornar público e os meios tradicionais de jornalismo não são capazes de acessá-lo, então é preciso encontrar outro caminho. A combinação entre hacking e jornalismo é, em minha opinião, o jornalismo se manifestando por meios tecnológicos”.

Lauri supostamente planejou uma campanha apoiada pelo Anonymous que exigia justiça para o ciberativista Aaron Swartz, um dos fundadores da rede social Reddit. O hacker americano se matou enquanto enfrentava uma sentença de 33 anos por baixar centenas de milhares de trabalhos acadêmicos – talvez planejando liberá-los gratuitamente online. Love descreveu seu próprio “suposto ato de desobediência civil online” como um “protesto depois que o sistema de justiça dos EUA perseguiu um jovem muito promissor até a morte”.

Política e ciberativismo

Para o hacker britânico, a repressão do Estado ao ciberativismo culminou na eclosão de uma vertente fascista dentro deste meio. “Como muitos ciberativistas foram colocados na prisão, as pessoas se tornaram um pouco desiludidas e perderam a coragem. Ficaram sem um tipo de orientação moral e muitos se tornaram alt-right, os jovens fascistas da internet. Isso foi uma consequência direta na reação contra os valores moralistas que guiavam o ativismo”.

Sobre o risco que a ascensão da extrema-direita no mundo oferece, ele alertou: “Outros virão, Trump pode tentar concorrer às eleições novamente – apesar de estar perdendo o discurso cada vez mais – então o próximo Trump pode não ser um palhaço, pode ser uma pessoa mais carismática, mais bem-sucedida, com um poder maior de mobilização”.

Lauri Love é considerado um ciberativista não por acaso. Além de ser um gênio da computação, ele foi politicamente ativo durante toda a sua vida. Serviu no exército finlandês e se tornou um objetor de consciência (pessoa que se recusa a cumprir um determinado dever com base em princípios pessoais). Em 2011, fez parte da ocupação da Hetherington House, um protesto estudantil na Universidade de Glasgow. Foi a mais longa ocupação de uma universidade na história do Reino Unido. “Levaram meses e meses para se livrarem de nós”, contou.

“A democracia morre por trás de portas fechadas”, declarou, destacando a importância de utilizar a internet contra o abuso de poder do Estado. “A razão pela qual temos tornado os lugares onde o poder é exercido cada vez mais públicos, cada vez mais abertos, cada vez mais transparentes, é para tirar das pessoas a possibilidade de governar o mundo em segredo e usar esse segredo para fazer coisas que elas sabem que não seriam aceitas, se fossem vistas pelo público.”

Ele defendeu que é necessário “lutar pelas pessoas que ajudaram”, citando novamente Julian Assange. “Precisamos continuar lutando pelo Wikileaks e por Assange. Se ele for enviado aos EUA e entregue a esse regime para impedir outros jornalistas de serem tão corajosos, será uma grande vergonha. Não devemos deixar isso acontecer”, afirmou Lauri Love.

Veja a entrevista na íntegra:

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