Em tribunal fantasma, juiz lê resumo da sentença de Assange em Londres. Por Sara Vivacqua

Atualizado em 10 de dezembro de 2021 às 11:47
Cartaz de Julian Assange em protesto
Protesto pela liberdade do ativista Julian Assange

Julian Assange pode ser extraditado aos Estados Unidos. Essa foi a decisão proferida nesta sexta-feira (10), às 10:15 da manhã de Londres, pelo tribunal de apelação britânico.

Os juízes, Lord Burnett of Maldon e Lord Justice Holroyde, decidiram a favor do governo dos EUA, derrubando a decisão da juíza de primeira instância que bloqueou a extradição de Julian Assange por considerá-la “opressiva” devido às condições carcerárias nos EUA e o alto risco de suicídio por parte do ativista. O julgamento agora será remetido ao tribunal de Westminster, que será instruído a enviar o caso à ministra do Interior para extradição.

Em termos práticos, o judiciário britânico se fez valer de uma regra controversa da lei de extradição que retira a ordem do Poder Judiciário e a transfere para o Executivo. A extradição de Assange é agora oficialmente e desavergonhadamente política, ao recair nas mãos dos mesmos que planejaram e executaram o sequestro do ativista australiano da Embaixada do Equador. O conluio extra-oficial entre governo e sistema de Justiça começa a se evidenciar sem termor.

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O anúncio da decisão pelo tribunal foi comunicado de última hora ao público ontem à noite. A decisão foi lida hoje numa sessão remota em um tribunal vazio sem a presença das partes, sequer do réu, nem mesmo por videochamada. Lord Justice Holroyde, sem maiores justificativas, disse que Lord Burnett, relator da decisão, “não pode estar presente hoje” e leu um resumo da sentença em quinze minutos.

Em um tribunal fantasma, sem público, depois de alguns minutos, como em uma cena de ficção, o destino de um homem é declarado. Fica declarado também o precedente mais obscuro sobre as restrições à liberdade de expressão e imprensa desde as constituições do pós-guerra e tratados internacionais declarando direitos fundamentais.

Lord Burnett tem razões para não querer se expor, nem mesmo por videochamada numa sala vazia. Como foi revelado pelo Declassified UK, ele é amigo pessoal há mais de 40 anos de Sir Alan Duncan, que como ministro das Relações Exteriores organizou a expulsão de Assange da embaixada do Equador. Ele assistiu ao vivo à polícia britânica retirando o australiano do local e comemorou com drinks no mesmo dia, junto à sua equipe.

Foi Alan Duncan que chamou Assange de “verme miserável” em plena sessão parlamentar, em março de 2018, e voou ao Equador para agradecer o presidente Lenín Moreno pela entrega de Assange. Agora resta entregar o presente para o destinatário final, a CIA, que de acordo com vazamento internos conspirou para abduzir e assassinar o ativista extra-oficialmente.

Em sua apelação, o governo americano ofereceu garantias diplomáticas à corte. OS EUA afirmam que, se extraditado, Assange não será enviado à infâme prisão de ADX Florence, nem será colocado sob medidas administrativas especiais, consideradas oficialmente pela ONU como tortura psicológica. As tais garantias diplomáticas poderão, no entanto, ser revogadas a qualquer momento se Assange infringir as regras, o que quer que isso signifique em termos práticos.

Em poucas frases, o juiz não justificou sua decisão e se limitou a concluir: “Por conseguinte, estamos cientes que, se as garantias tivessem sido dadas perante a juíza, ela teria respondido à questão relevante de forma diferente”.

John Shipton, pai de Julian Assange, relembra que a guerra do Iraque, a mesma denunciada por seu filho e razão de sua perseguição, foi uma invenção americana baseada em garantias diplomáticas. Os EUA ofereceram garantias às nações de que o Iraque retinha armas de destruição em massa, argumento que abriu alas para a invasão ao país.

A caça a Julian Assange se perpetua enquanto seu estado psíquico e físico se exaure. Em recente conversa com o pai do ativista, ele me pediu um favor: “Não vamos conversar sobre minha visita a Assange ontem, e não me pergunte como ele está”. Quando lhe contei que a entrevista com o ex-agente da CIA, John Kiriakou, tratava da reivindicação da verdade para aqueles que lutaram na ditadura, ele abaixou a cabeça, cobriu o rosto e foi às lágrimas.

Hoje é um dia trágico para toda a democracia do mundo e para o homem que demonstrou uma envergadura ética e de coragem ainda por existir de novo. Assange é acusado de publicar “ilegalmente” milhares de documentos da Agência de Segurança Nacional norte-americana em 2010 e 2011, evidenciando de forma definitiva e irreversível ao mundo a verdadeira extensão dos crimes de guerra, genocídio de civis, abdução e tortura como política de Estado em nome da democracia.

Mas a verdadeira batalha começa agora, e espero que a justiça não chegue tarde para o homem que mudou a história do jornalismo e abriu a Caixa de Pandora do Deep State.

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