Exclusivo: no Telegram, bolsonaristas defendem morte de ministros do STF e seguem dicas antivacina de investigado

Atualizado em 17 de outubro de 2021 às 9:39
Mensagem de grupo bolsonarista no Telegram

A reportagem do DCM mergulhou no submundo das comunidades bolsonaristas do Telegram. Um mundo quase sem lei onde impera a desinformação e o ódio.

Em milhares de áudios e mensagens de texto, eles pregam a morte de jornalistas, advogados, ministros do STF e professores pela mão do Estado, além de mentir sobre a vacinação contra covid-19.

Um estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) aponta que o Telegram pode desempenhar nas próximas eleições o mesmo papel que o Whatsapp teve no último pleito: o principal canal de disseminação de notícias falsas.

O próprio Presidente da República e seus apoiadores estimulam a migração para o Telegram.

O aplicativo tem mais recursos que o Whatsapp, permite grupos de até 200 mil usuários – enquanto o Whatsapp restringe o tamanho das listas a apenas 256 membros.

Uma prova da adoção do Telegram pela militância bolsonarista é a conta oficial do presidente. Em janeiro ela tinha 145 mil usuários cadastrados.

Hoje, mais de 1 milhão de pessoas seguem Bolsonaro. Apesar de não ser o aplicativo de mensagens mais usado no Brasil, posto que fica com o Whatsapp, o Telegram despertou o alerta entre pesquisadores e autoridades eleitorais do país.

O aplicativo não tem representantes no Brasil, não modera conteúdo e nem impede que um post ou meme viralize. Durante uma semana o DCM mergulhou nas entranhas das redes bolsonaristas no aplicativo Telegram. Há de tudo.

Disseminação de informações falsas, teorias da conspiração e lutam para sabotar a vacinação, o isolamento social, o uso de máscaras, além do apoio incondicional ao Presidente da República.

Vacinas com microchips e grafenos que transformam o corpo dos vacinados em redes wi-fi que podem ser acionadas para controle da mente. Uma elite global imaginária que controla governos, judiciário e a mídia com intenção de implantar um regime comunista a fim de promover o aborto e a pedofilia.

Vacina ‘chipada’

A recente queda do Facebook, Instagram e WhatsApp não passou de um teste do ‘deep state’ para conectar os vacinados à rede 5G.

Um usuário afirma que a “queda das redes se deve ao fato de excesso de tentativas de conexão 5G das pessoas vacinadas”, se referindo a falha global. Para eles, a vacina contém grafeno, uma substância feita de cadeias de carbono ligadas em forma de colmeia.

A teoria conspiratória afirma que, uma vez dentro do organismo, o grafeno cria uma teia que faz com que o corpo do vacinado comece a transmitir e receber certas frequências de rádio.

Como prova, vários usuários postam vídeos que mostram o bluetooth de celulares ‘reconhecendo’ endereço digital dos vacinados.

A teoria digna filme B de ficção científica conta com milhares de adeptos. “Os vacinados precisam pedir perdão a Deus, pois colocaram o chip da besta em seus organismos”, afirma um usuário de um dos grupos acompanhados pela reportagem.

Os anti vacinas defendem também que outras substâncias como a ingênua luciferase, além de metais pesados e toxinas capazes de alterar o DNA humano, são ingredientes ativos das vacinas.

Luciferase é um termo genérico para um grupo de enzimas que desencadeiam uma reação química produzindo um brilho visível. A enzima interage com as luciferinas dos vagalumes, fazendo com que eles se acendam. Mas na ideia dos propagadores de fake news, luciferase quer dizer “Lucifer race” ou “raça de Lúcifer”.

“Os satanistas dos globalistas do Fórum Econômico Mundial, ONU, OMS, Dr. Anthony Fauci e Bill Gates querem marcar a humanidade e corromper seu DNA com as ‘vacinas’”, disse outro perfil se referindo ao grupo mundial que eles acreditam dominar os governos do mundo inteiro.

“A nanotecnologia existente no hidrogel (das vacinas) pode se conectar via transmissão das antenas 5G e satélites da Cabala”, afirma uma das mensagens postadas no grupo “QAnon – Aproveitem o show”.

Mensagem no Telegram

Esse grupo de globalistas da chamada Cabala estaria comandando uma espécie de estado profundo integrado por membros dos três poderes, imprensa e grandes empresários. Uma organização que só é combatida por Donald Trump nos EUA e por Jair Bolsonaro no Brasil.

A teoria surgiu em 2017 no site 4Chan. Um usuário postou uma série de informações ditas ultrassecretas de nível “Q”, dando origem ao que se conhece hoje por ‘QAnon’, um grupo da ultra direita dos EUA que acredita que Trump lutava contra os pedófilos adoradores de Satanás.

Muitos têm se debruçado sobre a origem dos QAnon. À revista New Republic, a escritora e pesquisadora Talia Lavin, escreveu: “Sociólogos e jornalistas têm lutado para categorizar com precisão a teoria da conspiração caótica conhecida como QAnon. É um movimento político? Uma nova religião ? Um culto? Ele contém elementos de todos esses elementos”, diz o texto.

“Historiadores oferecem outra tese para o propósito que QAnon serve. É muitas vezes é politicamente útil. Distribuído pelos romanos contra os primeiros cristãos, por cristãos contra judeus, por cristãos contra bruxas, por católicos contra ‘hereges’, é um conjunto maleável de acusações que postulam que um grupo social foram dos muros está envolvido em comportamentos perversos e ritualísticos que visam inocentes – e que o grupo e todos os que tornam ele possível devem ser esmagados”.

QAnon BR

No Brasil, a versão dos QAnon importam teorias da conspiração e método de atuação do original norte-americano. Além da pauta anti vacina, os grupos bolsonaristas do Telegram também se valem de pautas como pátria, família, são contra as agendas igualitárias, como antiracista e a causa LGBTQIA+, pregam a eliminação de minorias e do comunismo.

“Todo advogado, todo jornalista, todo professor de história é formado para mentir, para ser um terrorista, um militante comunista. O Brasil vive em uma ditadura comunista desde 1985”. É necessária uma constituição que puna com pena de morte, afirma o engenheiro Marcelo Frazão de Almeida.

Frazão é dono de uma das comunidades mais virulentas do Telegram. “Doutor Marcelo”, como é conhecido, se diz engenheiro agronômico, cientista político, economista e professor universitário, embora nenhuma das informações possa ser checada.

Ele alega que ensina ciência política a seus seguidores, mas não há currículo Lattes em seu nome. Investigado no inquérito das milícias digitais, contou em depoimento à Polícia Federal que não falou da Covid ou de vacinas porque o “vírus não existe”.

Frazão é youtuber e alega ganhar a vida com doações de seus alunos.

“A vacina é uma questão política e eu posso falar como jornalista que eu sou no Youtube, como cientista político, como professor e não vai ser um promotorzinho que vai me impedir. Eu sou a única pessoa na história do país ameaçada por dar uma aula de genética sobre a vacina”, diz.

Frazão é processado por dizer que a vacina provoca câncer, alterações genéticas, problemas de fertilidade e “homossexualismo” . Suas contas no Youtube foram encerradas por violação das diretrizes da plataforma.

Tudo isso é divulgado para seus seguidores, que são proibidos de contestá-lo. Uma postagem afirma que mulheres vacinadas estão dando a luz a “crianças monstros com rabos, chifres e múltiplos braços e pernas”.

Outro personagem obscuro das redes bolsonaristas é Luciano Cesa. Menos virulento que Frazão, Cesa não fica atrás quando o assunto é fake news.

“Bolsonaro tem prova e irá mostrar toda a verdade no momento certo. Ele tem provas de que o STF foi cooptado pelos chineses. Que a China deu em torno de R$ 5 milhões a cada parlamentar. Existem provas dos pagamentos chineses. E isso é um crime de lesa pátria que será punido com a pena de morte. Um recado dado aos parlamentares é que todos serão punidos por um tribunal militar que já está sendo instaurado pelo presidente Bolsonaro”, diz Cesa em um áudio em seu Telegram.

Cesa tem um canal ativo no Youtube com mais de 34 mil inscritos, que mistura mensagens místicas, canções católicas e muita fake news.

Apesar de não adotarem o nome QAnon – o canal de Cesa, por exemplo, se intitula “Era de Aquário” – os temas são parecidos. Aqui também se fala na volta de Trump e na fraude eleitoral que teria ocorrido nos EUA. “Já há muitos parlamentares e artistas presos e o Biden já está usando tornozeleira eletrônica”, afirma Cesa.

Pertencimento

Afinal, o que leva uma pessoa a acompanhar uma enxurrada de mensagens negativas, teorias da conspiração, fake news de toda a sorte e muito ódio? Isso todos os dias em milhares de mensagens?

“Eles sentem que sabem de algo que ninguém sabe. Que somente os despertos têm acesso e isso traz uma sensação de pertencimento”, explica Letícia Sallorenzo, pesquisadora de Linguística da UNB (Universidade de Brasília).

Citando Robert Paxton, em “Anatomia do Fascismo”, ela lembra que no período entre guerras o Fascismo cooptava suas fileiras entre pessoas mais sujeitas a vulnerabilidade social.

“É aquele veterano de guerra que voltou ferido, e não consegue emprego ou sustentar a família, e se vê frustrado diante da vida”, cita Sallorenzo. “A sensação de vulnerabilidade e fracasso q torna as pessoas susceptíveis a discursos mentirosos de modo geral”.

“No caso dos anti vacinas, há uma vulnerabilidade associada à saúde. O discurso anti vacina já vem de algum tempo dizendo, por exemplo, que causa autismo. E chega uma pessoa dizendo que uma vacina não pode ser feita em apenas 1 ano. Isso tem um apelo muito grande.”

Marcelo Frazão explicita essa lógica em mensagem ao seu séquito: “Vocês fazem parte de uma elite intelectual do país. Vocês sabem do grafeno, vocês sabem que tem criaturas vivas dentro da vacina. Vocês sabem do metal pesado. Vocês sabem que não existe vacina sem que se espere 40 anos para saber como ela se comporta no organismo. Mas são vocês que sabem. Mais ninguém.”

Veja abaixo mais algumas amostras de negacionismo, antissemitismo, paranóia e pilantragem no Telegram de bolsonaristas: